FERREIRA
GULLAR
As bienais e as
vanguardas
Por
não se apoiar numa linguagem, mas numa "boa ideia", a arte conceitual
vê esgotar-se seu repertório
A
BIENAL de Veneza, fundada em 1895, foi talvez o primeiro sinal da tendência à
internacionalização das manifestações artísticas que surgiam e se
multiplicariam nas décadas seguintes. Nela, pela primeira vez, as tendências
estéticas inovadoras de diferentes países europeus podiam ser apreciadas por um
público também internacional.
Assim,
a Bienal de Veneza se tornaria a vitrine da arte de vanguarda, característica
do século 20. É desnecessário dizer que os fundadores da Bienal não podiam
prever o futuro que a esperava mas, se a criaram, foi porque os tradicionais
salões nacionais de arte tornaram-se incapazes de atender à inevitável
internacionalização dos movimentos artísticos que eclodiam nas cidades de
Paris, Berlim, Zurique, Milão e Moscou.
Mas
o papel desempenhado pela Bienal não se limitou a difundir a produção artística
internacional, uma vez que esse encontro das diferentes manifestações nacionais
estimulou a troca de influências, ao mesmo tempo que a difusão e intensificação
do experimentalismo estético. Desse modo, a Bienal de Veneza passou a
desempenhar um papel dinamizador das inovações artísticas e de sua progressiva
internacionalização.
É
verdade que duas guerras mundiais -a de 1914 a 1918 e a de 1939 a 1945-
provocaram interrupções nesse processo, dificultando ou mesmo inviabilizando o
intercâmbio entre artistas e países.
A
mais grave dessas interrupções foi provocada pela Segunda Guerra Mundial, de
que resultou o exílio de artistas e até mesmo a cessação de vida artística em
importantes centros culturais da Europa.
É
verdade, porém, que a radicação de alguns artistas importantes em países onde a
guerra não chegara resultou em outro modo de difusão das tendências artísticas
que representavam. Com o fim do conflito, reatou-se o intercâmbio artístico e a
Bienal de Veneza retomou suas atividades.
Foi
então que Ciccillo Matarazzo Sobrinho fundou, em 1951, a Bienal de São Paulo,
destinada a influir decisivamente no processo artístico brasileiro.
Por
surgir quando surgiu e onde surgiu, esta Bienal não desempenhou inicialmente o
mesmo papel que a de Veneza, mas se aproximou dela em função mesmo do que viria
a ocorrer no âmbito internacional.
A
primeira e principal consequência de sua criação foi contribuir decisivamente
para o surgimento, no Brasil, da arte concreta, cuja figura principal era o
suíço Max Bill, ganhador do prêmio da 1ª Bienal com sua escultura "Unidade
Tripartida".
O
concretismo significou a ruptura com a tradição modernista brasileira, surgida
no ano de 1922, e possibilitou o nascimento da arte neoconcreta, considerada
hoje uma contribuição original brasileira à arte contemporânea.
Mas
os anos se passaram e as vanguardas, seguindo os "ready-mades" de
Duchamp, abandonaram as linguagens artísticas, fundadas no domínio técnico,
para entregar-se ao improviso das sacações ditas conceituais.
Disso
resultaram as instalações e os "happenings" que não buscam
permanência, mas apenas o impacto eventual e momentâneo.
Por
outro lado, como não se apoia numa linguagem, a arte conceitual se vale de todo
e qualquer objeto (ou coisa, ou gente, ou bicho) para se expressar. Isso vai
desde expor casais despidos num museu até engaiolar urubus para exibi-los numa
bienal.
Resulta
que tais sacações só ganham caráter de arte se realizadas numa galeria de arte,
num museu ou numa bienal. Ou seja, essa é uma vanguarda que precisa das
instituições para se afirmar.
Por
essa razão, as bienais, dado o caráter de mostras eventuais, tornaram-se o
lugar mais do que qualquer outro propício à arte conceitual, pois a obra dura o
tempo que dura o evento e termina com ele.
Com
raras exceções, por não se apoiar numa linguagem, mas numa "boa
ideia", a arte conceitual -depois de se valer de casais despidos e de
urubus engaiolados- vê esgotar-se seu repertório.
Essas
bravatas já não escandalizam ninguém. O urinol de Marcel Duchamp completa um
século em 2017. Como uma se apoia na outra, é possível supor que não vão durar
muito tempo.
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