15
de maio de 2012 | N° 17070
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Cueca estranha na gaveta
Homem
já passa a identificar suas próprias cuecas. O que é um tremendo avanço tecnológico.
Mas toda evolução tem seus efeitos colaterais. Maurício que o diga.
Ele
estranhou uma cueca preta em sua gaveta. Quase que a vestiu sem pensar, na saída
do banho, naquela pressa que aceita o improvável. No entanto, algo incomodou no
exemplar. Ou a marca de caveira ou o tamanho folgado criou a incerteza de seu
domínio. Definitivamente não era dele. Nunca fora dele. Por pouco não cheirou
para tirar a cisma. Evitou a fungada para reduzir os danos da humilhação.
O
sangue subiu com o raciocínio. Ser corno não é uma decisão fácil, exige
madureza, sabedoria e, acima de tudo, provas.
Antes
de definir autoria, eliminava hipóteses:
1) Não
tinha filhos.
2) Não
tinha irmãos.
3) Sua
mulher também não tinha irmãos.
4) Seu
pai morreu.
5) O
pai de sua mulher morava longe.
6) Não
jogava mais futebol com amigos.
Desprovido
de figuras masculinas diretas na convivência, apanhou a peça, agora com um
certo nojo, segurando a etiqueta com a ponta dos dedos, e seguiu para discutir
com a esposa. Não restava dúvida de que ela deveria conhecer a origem do
enxerto.
Sua
boca borbulhava de ódio:
– Safada,
será que ela me trai, e ainda na minha cama, e ainda lava a cueca do cara e
bota dobrada nas minhas coisas?
Estava
convicto de que a vizinhança inteira debochava de sua virilidade, de que o
porteiro ria de sua tolice romântica.
Ao
encontrar Lúcia tomando café na cozinha, ele ergueu a bandeira negra a fim de
guerra.
– De
quem é essa nojeira?
– Sua?
– Não!
– Não
é o que estou pensando...Não vai dizer que anda trazendo cueca de outro homem
para casa, Maurício!
– O
quê?
– Não
tem cabimento encher o armário com roupa de amigo. Intimidade não se empresta,
fica chato. É como escova de dente.
– Amor,
não peguei nada emprestado de nenhum amigo.
– Então,
o caso é mais grave, o que anda fazendo, amor? Não me diz que vem me traindo? E
com rapazes?
– Tá
maluca, Lúcia. Você me conhece.
– Não
sei não, é suspeito, me explica o que faz uma cueca de um estranho em sua
gaveta?
– Sei
lá, também quero saber, iria mesmo perguntar para você.
– Para
mim? Eu não uso cueca. Que vergonha! Ai se minha mãe sabe...
– Eu
não fiz nada, juro, a cueca apareceu de repente em minhas roupas.
– Deixa
eu ver? Ai que horror, tem cheiro de usada. Ai, não acredito, tem pentelhos.
Ela
soluçou o início de choro, bateu a porta de casa e saiu furiosa.
Maurício
não descobriu de quem era a cueca. Isso não merecia mais sua preocupação. Necessitava
achar um jeito de acalmar a esposa.
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