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quarta-feira, 16 de maio de 2012
MARCELO COELHO
A angústia no bolso
O "Grito", do pintor norueguês Edvard Munch, ficou pronto para ser parodiado e consumido
FIZERAM O diabo com a "Mona Lisa". Duchamp pintou-lhe um bigode; Botero copiou-a, acrescentando vários quilos à sua figura, e Mauricio de Sousa desenhou a Mônica na mesma pose. De alguma forma, o quadro de Leonardo da Vinci resiste a essas paródias. É até provável que tais brincadeiras tenham o objetivo inconsciente de "testar" o poder da Gioconda.
Por mais banalizada que a imagem esteja, acho que seu mistério continua. Não tenho certeza se "O Grito", de Edvard Munch, aguenta a superexposição que lhe aconteceu nos últimos tempos.
Desde o espetacular arremate do quadro, num leilão no começo do mês, vê-se "O Grito" em toda parte.
Serve de símbolo, entre outras coisas, para o "Veta, Dilma"; funciona bem quando uma revista semanal quer falar da alta de preços ou da corrupção; pode ser posta no Facebook como retrato de qualquer usuário que se sinta atulhado de compromissos ou tonto com muitas chamadas no celular.
Nesse sentido, "O Grito" é bem o contrário da "Mona Lisa". Qualquer significado "cola" no quadro de Munch, porque não faltam motivos para um ser humano dar seus gritos de desespero de vez em quando.
Nenhum rótulo funciona direito na "Mona Lisa". Como disse o crítico Walter Pater (1839-1894), ela "é mais antiga do que as rochas entre as quais está posando".
Como o vampiro, continua Pater, "ela esteve morta muitas vezes, e aprendeu os segredos do sepulcro; mergulhou em mares profundos, e guarda consigo o dia que neles se extinguiu".
Captando bem a indiferença jocosa do retrato, Pater conclui que, para a Mona Lisa, "tudo (e o termo sugere todos os desastres da história humana) nada mais foi do que o som de liras e de flautas".
Certamente, não é desse tipo de sons que está tratando "O Grito". O homenzinho do quadro nunca esteve morto, nem mergulhou no mar; parece prestes a atirar-se da ponte.
Não é ele quem grita, embora sua boca aberta dê essa impressão. Segundo o poema de Munch que acompanha o quadro, "eu estava andando na rua com dois amigos/ o sol se punha, o céu se avermelhou como sangue/(...) meus amigos continuaram o caminho, eu fiquei para trás/ tremendo de angústia:/ senti um grande grito na natureza".
É a natureza quem grita, o que aliás torna razoável a apropriação do quadro pelos ambientalistas. O homenzinho, por isso, tapa os ouvidos com as mãos.
Munch pintou uma ponte perto da casa onde morava, na vizinhança de um matadouro -e também do manicômio onde sua irmã estava internada. Os gritos de loucos e de animais abatidos, numa paisagem de sangue, não eram tão simbólicos e psicológicos assim.
Mas não deixa de ser sintomático o modo como a imagem é interpretada atualmente. O grito vem de nós, e não de fora. É o desespero de alguém que se sente diminuído pelos problemas à sua volta -pouco importando quais sejam, o atendimento da TV a cabo ou o excesso de solicitações de amizade no Facebook.
Esse disparate entre a intensidade da angústia e a pequenez do problema combina bem, infelizmente, com o quadro de Munch. A razão para isso é que o personagenzinho tem muito de figura de cartum. Poderia ser o Gasparzinho, Homer Simpson ou um E.T.
Sua face é como um balão, a ponto de esvaziar-se. A grande beleza do quadro, como em Van Gogh ou na arte expressionista em geral, está no fato de que natureza e ser humano, o "fora" e o "dentro", se comunicam. A paisagem e o homem são retratados na mesma ventania de pinceladas, na mesma tormenta, no mesmo fluxo.
A "Mona Lisa" se mantém soberana, muito além da paisagem do fundo, também atormentada e irreal. A subjetividade de "O Grito" extravasa para todos os lados, mas é uma subjetividade enfraquecida.
Para o teórico Fredric Jameson, com o pós-modernismo desaparece a "estética da expressão", e a obra de arte deixa de ser sinal da angústia para assumir uma superficialidade irônica e vazia.
O "Grito" ficou pronto para ser parodiado e consumido. O que foi vendido por US$ 120 milhões de dólares na Sotheby's é apenas uma, dentre as quatro versões da obra feitas pelo pintor.
O próprio Munch, quem sabe, estava tentando exorcizar aquela imagem por força da repetição. E o espanto do homenzinho, sem dúvida, tem outro motivo agora: como é alto o preço que se paga para pôr toda essa angústia no bolso!
coelhofsp@uol.com.br
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