Maior medo de uma mãe
A
grande inquietação de uma mãe, ao contrário do que se imagina, não é saber se
ela dará conta de trocar as fraldas, se o choro do filho é de febre ou de fome,
se ela está sendo severa ou molenga demais ou se o filho se sente
suficientemente amado. Isso, ao vivo, a mãe resolve.
Quando
ele é bebezinho ou ainda tão pequeno que não consegue resolver na-da — nem
comer — sem a sua ajuda, a mãe tem seus questionamentos, mas ao mesmo tempo é preenchida
por uma alegria descomunal, porque ele está lá, numa continuidade de seu
ventre, naquela ligação mágica, milagrosa e intraduzível.
Toda
mãe sabe que os problemas realmente começam quando ele parte para tomar,
sozinho, a condução para a escola ou quando vai dormir na casa dos amiguinhos. É
o primeiro indício do que há de mais óbvio — e cruel — na criação de um filho: que
ele pertence não a ela, mas ao mundo.
Ninguém
saberá mais do que ela – nem ele próprio – o que é melhor para o filho. Ninguém
o amará mais do que sua mãe, ou lhe desejará mais alegrias do que ela. Se alguém,
por ventura, atirar em sua direção, quem terá o impulso de se jogar na frente
senão sua mãe? E pode aparecer qualquer mocinha apaixonada que o amor dela
jamais chegará aos pés do seu. Mas, um dia, ele preferirá a companhia dela à sua,
e isso vai matá-la por dentro.
O
maior desafio daquela que o ensinou a dar os primeiros passos é justamente deixá-lo
caminhar sozinho. E, na primeira noitada em que ele não telefonar para dizer
onde está, a que horas chegou e com quem está andando, ela sentirá uma dor
dilacerante, uma preocupação que nunca teve, nem consigo própria – até porque
ela se garante, mas seu bebê não.
Custa-lhe
telefonar de cinco em cinco minutos para dizer se comeu direito, se está triste
ou feliz, se gostou do filme que acabou de ver no cinema? Uma mãe deveria ser
atualizada, via aplicativo de iPad, dos mínimos passos e estados de espírito do
filho; só assim ela ficaria relativamente em paz.
Isso
vale para qualquer tipo de mãe, da mais extremada à mais independente, que
gosta de dizer aos quatro ventos que o Dia das Mães não lhe importa, que é uma
data como outra qualquer e que nem pensem em vir almoçar neste domingo porque
ela marcou uma aula de dança. Na semana passada, num almoço entre amigas, uma
delas avisou à mesa que pretende firmemente colocar um chip em seus filhos para
localizá-los a qualquer hora assim que a engenhoca for permitida — isso, claro,
com a anuência deles. Essa ideia ingênua causou espécie nos presentes, que
riram da doce ilusão dessa mãe.
Um
dia, alguém virará para ela e dirá o quanto seu filho é inteligente, gentil, educado
e amado por todos. Ela quase desmaiará de surpresa e emoção e só então saberá o
que é a tal da felicidade.
A
angústia de saber se você é ou não boa mãe não é uma questão de ego, mas a
preocupação com o futuro do ser mais amado do universo. Afinal, o grande medo
da humanidade é o futuro e, no caso de uma mãe, esse medo vem em dobro, porque
ela teme pelo futuro de duas pessoas — o dela e o do filho (mais o dele do que
o dela). Se algum dia ela lhe faltar, o que será dele?
Pois
eu vou dividir com vocês uma historinha pessoal. Perdi minha mãe para o câncer
muito cedo, aos quatro anos, e só sobramos eu e meu pai. Só entre aspas, porque
logo se mudaram para nossa casa minha tia e minha avó, para se ocupar de mim. Seis
anos depois, foi meu pai quem partiu, e eu fui adotado pela mãe, pela irmã e
pela sobrinha dele. Antes disso, quando ele ficou viúvo, conheceu uma namorada,
Angélica, que tinha uma filha com síndrome de Down, Emi. E o grande medo de Angélica
era o que aconteceria a Emi caso um dia ela lhe faltasse.
Ela
fundou, então, uma escola voltada somente para crianças portadoras de deficiência
neurossensorial, cheia de professoras atenciosas e amiguinhos como Emi. Um dia,
Angélica partiu ao encontro do meu pai. E fomos eu e sua outra filha que
assumimos a escola de Emi.
O
detalhe é que a maioria das alunas tinha idade bem avançada e havia perdido
seus pais. Se o medo do futuro é pertinente a todas as mães, imagine a uma mãe
de excepcional. Uma delas, Belinha, de quase 80 anos, foi adotada pela fonoaudióloga
da escola. Portanto minha tia virou minha mãe; eu, de certo modo, fui mãe de
Emi; e a fonoaudióloga foi mãe de Belinha, e assim caminhou a humanidade.
Nem
todo órfão tem essa sorte, é verdade. Mas é preciso acreditar na capacidade de
solidariedade do ser humano, uma rede de mãos dadas que nos fez chegar até esse
patamar evolutivo. Não é preciso ter medo; é preciso ter fé.
Fé nas
pessoas, fé na família, fé no amanhã, fé no filho e fé nos amigos que hão de
ajudá-lo quando você lhe faltar ou quando você não estiver por perto. Tudo pode
dar errado, assim como tudo pode dar certo, pois toda pessoa tem, no fundo, uma
mãe em potencial dentro de si. Mas é preciso disciplina, paciência e
generosidade para despertá-la.
Penso
hoje nas mães dos presos, naquelas que perderam seus filhos, naquelas que
perderam suas mães, nas que se dividiram entre tantas jornadas de trabalho para
prover o sustento da família.
Mas,
sobretudo, naquelas que perfilharam, ainda que não oficialmente, os filhos de
outros e, a partir da dor, construíram um jardim de infinitas possibilidades. É
para esses anjos, que foram muito além de um ventre físico, que dedico este dia.
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