HÉLIO
SCHWARTSMAN
Propostas indecorosas
SÃO
PAULO - Lula fez ou não uma proposta indecorosa ao ministro Gilmar Mendes? É impossível
dizer. A menos que a reunião entre os dois (que ninguém nega) tivesse sido
filmada, o desencontro de versões é uma fatalidade, uma decorrência da
arquitetura de nossos cérebros.
Até uma
acareação seria perda de tempo, e não necessariamente porque um deles mentiria.
Gostamos de pensar que a memória funciona como um registro fotográfico do que
presenciamos, mas essa sensação é uma peça que a mente nos prega.
Na
verdade, o que o cérebro guarda são registros hipertaquigráficos que são
reconstruídos, e modificados, cada vez que nos lembramos deles. O passado é bem
mais incerto do que suspeitamos.
As
distorções são introduzidas por sensações, gostos, crenças. Para piorar o
quadro, do lado esquerdo de nosso cérebro existem estruturas que unificam
nossas experiências e lembranças e tentam juntá-las numa narrativa coerente. Fazem-no
com forte viés político: deixamos de ver as evidências que não nos interessam e
valorizamos o que apoia nossas teses. Quando a história não fecha, pior para a
verossimilhança: criamos desculpas esfarrapadas.
Assim,
o que a memória de Mendes registra como uma pressão indevida muito
provavelmente está arquivado na mente de Lula como comentários fortuitos, que não
configuram nem mesmo uma insinuação.
É nos
diferentes pesos que cada lado confere a uma mesma ação que se funda boa parte
das desavenças e conflitos que afetam a humanidade.
Como
disse Robert Wright, "o cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto
de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica
e moral, independentemente de ter qualquer uma delas. Como um advogado, o cérebro
humano quer vitória, não verdade".
Qualquer
que seja a verdade, Lula faria bem a sua biografia se se poupasse desse tipo de
escaramuça.
helio@uol.com.br
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