sábado, 12 de maio de 2012



12 de maio de 2012 | N° 17067
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES

Desencilhando o pingo

Por longa que seja a tropeada, sempre há uma hora em que o tropeiro faz um alto e desencilha o pingo. Se for uma simples ronda, ele estende os arreios e fica contemplando o céu do pago, com estrelas nos olhos. Mas se a tropeada terminou, ele entrega a tropa e descansa, talvez pensando em outro gado que terá que tocar por diante. Se o tropeiro é velho, pode ser a sua última tropeada.

Eu estou com 77 anos. Tropeei a minha vida inteira, nos últimos 30 anos estive no comando do Galpão Crioulo, na RBS TV. Durante esse tempo convivi intimamente com os maiores artistas do gauchismo e com alguns convidados especiais. Foram momentos inesquecíveis, sem uma mágoa, sem um atrito, sem uma dor.

Tive patrões magníficos, que sempre me prestigiaram, que sempre me deram muito mais do que eu pedi e certamente muito mais do que mereci. E nos últimos 10 anos esteve comigo um Capataz de tropa ideal, chamado Neto Fagundes, meu sobrinho, meu irmão mais moço e, sobretudo, meu amigo.

Mas o velho tropeiro que sou não vai parar. Feliz e realizado, vou cuidar de outras coisas, de outras tropeadas que não são menos importantes – recolher algum boizito que talvez ficou pelas estradas, matear em algum galpão hospitaleiro onde não pude pousar pela pressa de entregar o gado sem desconto.

Vocês sabem o que é tropear tanto tempo sem um problema? Só tive alegrias e conservei sempre limpo o lenço branco que carrego ao pescoço, minha bandeira e meu orgulho campeiro.

Gastaria uma noite inteira agradecendo aos meus patrões da RBS TV e aos meus companheiros de jornada, nos quais não encontrei – nunca – falhas de caráter, traições, mesquinharias. Gosto de pensar que, ao longo das estradas percorridas e que foram muitas, fiz amizades que vou conservar, porque essa é a maior riqueza que eu acumulei, Deus abençoe todos eles.

Mas agora está na hora de parar. Ainda tenho muita coisa para fazer, como cuidar da família ao lado da mulher que eu amo. Mas não pensem que não me verão mais de chapéu tapeado e lenço branco abanando: com meu irmão Bagre, com meus sobrinhos Neto, Ernesto e Paulinho, certamente me verão em outros rumos recortado contra o céu no topo de uma coxilha.

Passo o comando da tropa para o Neto Fagundes, que foi meu brilhante capataz durante 10 anos. Sem dúvida alguma, ele sabe o que fazer: conhece todas as estradas e a qualidade dos “bichos” com que lida.

Desencilho feliz. Sempre usei pelego branco, a minha cor preferida. E assim que eu digo até a volta aos gaúchos e gaúchas de todas as querências.

Que o Deus crioulo que me abençoou sempre continue abençoando o querido Neto Fagundes.

Amanhã, o “Galpão Crioulo” (6h, RBS TV) comemora 30 anos e exibe o primeiro de uma série de três programas especiais. A data marca a despedida de Nico Fagundes como apresentador. Saiba mais sobre a festa e recorde a trajetória do programa no caderno TVShow deste domingo.

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