iELIANE
CANTANHÊDE
A ferida
BRASÍLIA - O depoimento de Xuxa
ao "Fantástico" é uma das peças mais contundentes da TV brasileira,
porque ela é quem é e cutucou profundas feridas para tratar de um problema
gravíssimo e bem mais comum do que se pensa: o abuso sexual de crianças e
adolescentes. E onde deveriam estar mais protegidas: em casa e na escola.
"Eu tinha vergonha, me
calava, me sentia mal, me sentia suja, me sentia errada", disse Xuxa, ao
relatar que sofreu abusos do melhor amigo do pai, do homem que casaria com a
sua avó e de um professor. Eles tinham a aura da autoridade, o acesso à casa e
a confiança da família. Aproveitaram-se disso e da vulnerabilidade da menina
Xuxa. Como enfrentá-los? Como desmascará-los?
Quem conviveu com pessoas que
passaram por isso, em menor ou maior grau, sabe a explosão emocional que
significa expor para uma irmã, uma amiga, uma psicóloga -imagine para milhões
de pessoas- uma ferida que jamais cicatriza. E que, curiosa e invariavelmente,
vem acompanhada desse sentimento desolador: o de culpa. Por que eu? Por que
deixei? Por que não contei?
Porque era uma criança e, ainda
por cima linda, à mercê de adultos aparentemente respeitáveis (um professor?!).
E foi punida múltiplas vezes por esse "erro": pela violência, pelo
pânico, pela vergonha, pela culpa e pelas consequências vida afora.
Xuxa talvez tenha aberto o
coração em público para elaborar a própria dor e tentar entender, como disse,
por que jamais teve um relacionamento estável e não conseguiu, ou não quis, se
casar.
Mas talvez tenha feito também
para que milhares, sabe-se lá se milhões, de meninas e meninos, de mulheres e
homens, possam se livrar de um confuso sentimento de culpa embolado com a
dolorosa sensação de solidão, de abandono.
Toda minha solidariedade, Xuxa, e
meu respeito pelo seu ato de profunda coragem. O Brasil agradece.
elianec@uol.com.br
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