29
de maio de 2012 | N° 17084
CLÁUDIO
MORENO
Nem tão solta, nem tão curta
Os
gregos, grandes admiradores dos egípcios, não podiam entender como um povo tão
avançado podia cultuar deuses com a aparência de falcões ou escaravelhos. Nos
mitos da Grécia, a forma humana era imprescindível, e todas as criaturas que
misturavam o homem com o animal eram vistas como monstros temíveis.
Seres
híbridos como a esfinge, o minotauro, as górgonas ou as harpias estavam
predestinadas, por sua construção aberrante, a provocar o terror à simples menção
de seu nome; os próprios centauros, embora não fossem tão assustadores – afinal,
tinham rosto e linguagem de gente –, também eram considerados perigosos, pois não
passavam de beberrões, arruaceiros cruéis e violadores de mulheres.
A única
e especialíssima exceção foi o centauro Quíron – segundo Homero, “o mais justo
de todos” –, que vai se tornar a única figura de professor que aparece em toda
a mitologia. Ao contrário dos demais, Quíron era respeitado por sua reputação
de formar homens sábios e íntegros.
Os
deuses haviam lhe ensinado a música, a poesia e a arte de curar, e sua vida
livre nos prados e florestas da Tessália revelou-lhe os segredos das plantas e
dos animais. Era, como todo grande educador, um agente da cultura e da civilização:
mentor de Aquiles, de Teseu, de Jasão e de vários outros heróis, transmitiu a
seus pupilos o conhecimento da natureza, as artes do homem e o amor pela justiça.
Para
quem acha estranho que os gregos tenham atribuído este papel tão importante
justamente a um ser híbrido, lembro que o cavalo é o símbolo por excelência de
nossa vida inconsciente – e que o centauro, portanto, é uma excelente metáfora
para nossa humana condição:
Quíron
representa a feliz aliança que as duas espécies celebraram quando o homem ainda
vivia em cavernas. Em todos os povos, em todas as épocas, a relação entre o
cavaleiro e sua montaria sempre simbolizou esta delicada parceria entre
instinto e razão que comanda nossa vida.
Para
dirigir a explosão vital de nossos impulsos, temos a rédea da cultura; a arte é
usá-la com equilíbrio, aplicando a pressão exata para cada situação. Rédea de
mais ou de menos – como diria Quíron, se vivesse aqui no pampa –, acaba
estragando o animal: nem tão solta que ele dispare, nem tão curta que ele
empaque. Quem conhece os campos da vida sabe, inclusive, que às vezes, quando
estamos perdidos, no escuro, é preciso confiar no cavalo e deixar que ele
decida qual dos caminhos é o melhor.
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