terça-feira, 29 de maio de 2012



29 de maio de 2012 | N° 17084
CLÁUDIO MORENO

Nem tão solta, nem tão curta

Os gregos, grandes admiradores dos egípcios, não podiam entender como um povo tão avançado podia cultuar deuses com a aparência de falcões ou escaravelhos. Nos mitos da Grécia, a forma humana era imprescindível, e todas as criaturas que misturavam o homem com o animal eram vistas como monstros temíveis.

Seres híbridos como a esfinge, o minotauro, as górgonas ou as harpias estavam predestinadas, por sua construção aberrante, a provocar o terror à simples menção de seu nome; os próprios centauros, embora não fossem tão assustadores – afinal, tinham rosto e linguagem de gente –, também eram considerados perigosos, pois não passavam de beberrões, arruaceiros cruéis e violadores de mulheres.

A única e especialíssima exceção foi o centauro Quíron – segundo Homero, “o mais justo de todos” –, que vai se tornar a única figura de professor que aparece em toda a mitologia. Ao contrário dos demais, Quíron era respeitado por sua reputação de formar homens sábios e íntegros.

Os deuses haviam lhe ensinado a música, a poesia e a arte de curar, e sua vida livre nos prados e florestas da Tessália revelou-lhe os segredos das plantas e dos animais. Era, como todo grande educador, um agente da cultura e da civilização: mentor de Aquiles, de Teseu, de Jasão e de vários outros heróis, transmitiu a seus pupilos o conhecimento da natureza, as artes do homem e o amor pela justiça.

Para quem acha estranho que os gregos tenham atribuído este papel tão importante justamente a um ser híbrido, lembro que o cavalo é o símbolo por excelência de nossa vida inconsciente – e que o centauro, portanto, é uma excelente metáfora para nossa humana condição:

Quíron representa a feliz aliança que as duas espécies celebraram quando o homem ainda vivia em cavernas. Em todos os povos, em todas as épocas, a relação entre o cavaleiro e sua montaria sempre simbolizou esta delicada parceria entre instinto e razão que comanda nossa vida.

Para dirigir a explosão vital de nossos impulsos, temos a rédea da cultura; a arte é usá-la com equilíbrio, aplicando a pressão exata para cada situação. Rédea de mais ou de menos – como diria Quíron, se vivesse aqui no pampa –, acaba estragando o animal: nem tão solta que ele dispare, nem tão curta que ele empaque. Quem conhece os campos da vida sabe, inclusive, que às vezes, quando estamos perdidos, no escuro, é preciso confiar no cavalo e deixar que ele decida qual dos caminhos é o melhor.

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