30
de maio de 2012 | N° 17085
EDITORIAIS
ZH
Entre o falar e o fazer
O
senador Demóstenes Torres caprichou na oratória durante o seu depoimento de
cinco horas no Conselho de Ética do Senado, negou a maioria das acusações,
admitiu pequenos deslizes (como ter recebido um telefone de presente do
contraventor Carlos Cachoeira), fez o papel de vítima e até assumiu a condição
de carola. Também procurou transferir responsabilidades, denunciando uma
suposta conspiração da Polícia Federal e do Ministério Público para prejudicá-lo.
Disse
que foi traído pelo bicheiro e que desconhecia suas atividades ilegais. Na mais
inverossímil de suas afirmações, o parlamentar garantiu que estava fazendo um
teste quando avisou o contraventor sobre suposta operação da Polícia Federal – com
o propósito de descobrir se ele ainda se mantinha ligado aos jogos ilegais.
Falou
muito o senador acusado de usar o mandato para beneficiar um delinquente. Para
culminar, buscou em sua defesa um samba antigo do compositor Ismael Silva, que
se inicia com o verso “nem tudo que se diz se faz”. Tentou, assim, desqualificar
as gravações comprometedoras de suas conversas com o empresário Carlos
Cachoeira.
“Que eu seja julgado pelo que eu fiz, não pelo
que falei que iria fazer” – bradou para os integrantes do Conselho, que tomarão
a primeira decisão sobre a provável cassação de seu mandato.
Talvez
tenha marcado um gol contra. Se ele não quer ser julgado pelo que fala, todo o
esforço que fez ontem para convencer seus pares terá que ser desconsiderado, até
mesmo porque o discurso pensado, planejado, elaborado para persuadir, tende a
ser menos autêntico do que o flagrante de uma gravação em que os interlocutores
não sabem que estão sendo ouvidos por terceiros.
E,
pelo que já se conhece dos trechos divulgados, há o suficiente para
caracterizar quebra de decoro parlamentar, pelo dito e pelo feito.
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