13
de maio de 2012 | N° 17068
PAULO
SANT’ANA
Porto Alegre foi um
paraíso
Confesso
que às vezes me assalta uma dúvida: o progresso é melhor que a estagnação? Até
parece uma idiotice fazer uma pergunta dessas. Quem poderia ser contra o
progresso?
No
entanto, tomemos a nossa cidade de Porto Alegre como exemplo: em 1950, nossa
capital tinha apenas 500 mil habitantes.
Naquela
época, Porto Alegre oferecia a seus habitantes condições de tranquilidade e
bem-estar imensamente superiores às de hoje, 62 anos depois.
Para
começar, circulavam cavalos e charretes pela cidade. Não havia este trânsito
louco de hoje, esta fábrica de estresse.
O
transporte coletivo era de uma serenidade saudosa. Havia os bondes, com
trajetos dos arrabaldes para o Centro e vice-versa. Tudo na mais perfeita ordem
e relativo conforto para os passageiros.
Tanto
que as corridas de táxi (carros de praça como eram chamados) eram raras. Só com
urgência urgentíssima se pegava um carro de praça ou um lotação. O bonde era um
transporte elétrico que satisfazia todas as exigências.
No
verão e na primavera, as famílias de Porto Alegre podiam dormir com as portas e
as janelas das suas casas abertas. Não havia um ladrão sequer que ameaçasse a
paz doméstica.
Cansa-se
de dizer, mas as famílias botavam cadeiras nas calçadas, de dia e de noite,
ficavam conversando com os vizinhos, não havia nem sinal de assalto. Por sinal,
uma palavra nova no dicionário da cidade.
Comprava-se
nas feiras livres, não havia supermercados. E comprava-se do bom e do barato
nas feiras livres. E, quando não era nas feiras, era nos armazéns. Em cada
esquina, havia um e a relação entre os fregueses e os donos de armazéns era da
melhor convivência, chegavam a se tornar amigos pela relação comercial, tanto
que as compras eram feitas e anotadas num caderno e só pagas no fim do mês.
Nunca
se ouviu dizer que houve qualquer altercação entre os bodegueiros e os fregueses
por divergência de preços ou de cobranças. E raramente, muito raramente, os
fregueses passavam um calote.
Na
verdade, sinto dizer, o caráter das pessoas era melhor. Não se furtava nem
roubava e raramente se matava, porque o caráter das pessoas era melhor, o que
quer dizer que o progresso conspurcou o caráter da pessoas.
Não
havia crimes. Lá uma vez que outra, acontecia um crime passional. Os únicos
ladrões que existiam eram os batedores de carteira, que agiam nos bondes e
enfiavam com prestidigitação os dedos nos bolsos dos passageiros e surripiavam
suas carteiras de pouco dinheiro, sem nenhuma violência.
Não
havendo ladrões, havia muito poucos policiais. Não era esse terror em que virou
hoje a segurança pública.
Em
1950, nunca deixou de haver vagas nos hospitais para os doentes em Porto
Alegre. E os postos de saúde da cidade eram exemplares.
Qualquer
pessoa que adoecesse era carregada serenamente nas ambulâncias para os
hospitais, não faltavam médicos, nem nunca ouvi dizer que faltassem remédios
para os doentes.
Na
verdade, posso afirmar que não havia fome. E uma criança podia sair de um
arrabalde para o outro, em visita a familiares ou no caminho da escola, sem que
fosse necessária a companhia de um adulto para guiá-la.
Tudo
era rigorosamente assim como estou contando.
Por
isso é que digo que tenho muita desconfiança do progresso. Tenho certeza de
que, paradoxalmente, entre nós decaiu a civilização com o avanço do progresso.
Vocês
não acreditam no que vou dizer: mas não havia políticos roubando. Nem nunca se
ouvia falar de superfaturamento.
Mudou,
sim, o caráter das populações. Essa foi a mudança para mim mais marcante na
transição da estagnação para o progresso.
As
pessoas eram melhores. O progresso estragou as pessoas. Acho que foi a ambição
que as tornou ladinas, falsas e perigosas.
A
minha cidade, a nossa Capital era um paraíso antes de 1950.
Hoje,
ninguém tem certeza de que poderá chegar ilesa em casa, de noite ou de dia.
E
naquela época antiga a gente tinha certeza de sempre voltar incólume às nossas
casas.
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