30
de maio de 2012 | N° 17085
JOSÉ
PEDRO GOULART
Verdades e
mentiras
Aimagem
do mágico cujo truque não funciona direito é bem conhecida. Sempre tem uma
criança que descobre e aponta para algo errado durante o número, e todos vaiam.
Ou riem, o que é pior. A mentira foi descoberta. O bom é que não fosse.
Em F
for Fake, Orson Welles especula sobre a verdade e a mentira. O filme mistura
ficção e documentário, só que muitas vezes ficamos sem saber o que é um ou
outro; a maior parte do tempo, inclusive, ele conta a história de um
falsificador de arte, cuja obra é tão boa que praticamente é impossível saber
qual a cópia e qual o original.
Welles,
ele mesmo um falsificador – um mestre na mentira e na ilusão – já havia causado
histeria na população americana ao transmitir pelo rádio o anúncio de que os
Estados Unidos estavam sendo invadidos por marcianos; na verdade ele encenava A
Guerra dos Mundos, uma novela de ficção científica.
Na
Zero Hora havia um questionário destinado a famosos. Uma das perguntas: “Em que
situação vale a pena mentir?”. As respostas variavam entre “Nunca” ou “Só se
for para proteger alguém”. Ninguém diz “Sempre”, que seria a resposta menos
mentirosa. Eu, você, sabemos – o Orson Welles, velho zombeteiro, sabia ainda
mais – que a verdade é uma ilusão. E o carvão da ilusão é a mentira.
Mentimos,
fingimos, enganamos. E queremos que nos mintam, queremos ter fé. É na ilusão de
que o outro irá nos redimir que reside a paixão, por exemplo. A paixão acaba
quando termina a idealização. A verdade é chata. A imagem do mágico cujo truque
dá errado é a de um cara triste, um cara que não sabe mentir direito.
E
também mentimos porque precisamos, para evitar uma autoconsciência que nos
massacraria, ou porque sequer sabemos onde é que fica a tomada que nos
conectaria à verdade absoluta. Em última análise, mentimos porque cada um de
nós é um projeto fictício de si mesmo.
A
nos redimir, o dedo infantil que aponta o truque errado do mágico ou que revela
que o rei está nu: a famosa verdade verdadeira das crianças. Minha filha, por
exemplo, tinha cinco anos quando me disse o seguinte: “Papai, quando eu crescer
tem três coisas que eu não quero que aconteçam comigo: casar, morrer e ter um
nariz igual ao teu”.
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