27
de maio de 2012
Martha
Medeiros
Falando Sozinho
E
pelas ruas do Rio de Janeiro quando percebi um fenômeno que não é nenhuma nova
tendência, ao contrário, é hábito antigo, mas que só agora venho prestando
verdadeira atenção. Refiro-me às pessoas que falam sozinhas. Não só falam, aliás.
Resmungam, xingam, discursam.
Passei
a me interessar pelo fato quando, de uns anos pra cá, minhas filhas deram para
me alertar: mãe, tu estás falando sozinha. Era só o que me faltava, meninas,
estou aqui em frente ao computador, lendo um texto aos sussurros, só isso. E
quando acontece na cozinha, mãe? E no corredor do apartamento? Ah, vocês andam
ouvindo coisas.
Mas
sucumbi às evidências: falo sozinha. Um pouquinho em casa, e infinitamente mais
quando estou caminhando pelas avenidas e parques da cidade, onde crio diálogos
inteiros na minha cabeça. Sem que eu perceba, meu pensamento sai pela boca. Não
raro, gesticulo também. Tudo com a maior discrição – espero.
Quando
estou dirigindo meu carro, a mesma coisa. Canto quando há música, e falo quando
há silêncio. Tenho certeza de que falo apenas com meus botões, falo quieta, mas
já fui flagrada em delito: “Mãe, outra vez?”.O que eu falo, no entanto, ninguém
escuta direito. Não chego àquele nível de maluquice que acomete andarilhos que
falam sozinhos num volume tão audível que a gente chega a se perguntar se
estariam mesmo sozinhos. Estarão?
Desvendado
o mistério. Estamos falando com ex-maridos, com chefes insuportáveis, com
amigos que não entenderam nossas boas intenções, com personagens criados pela
nossa imaginação, com pessoas que já não
estão nesse mundo, com o William Bonner, com Jesus, com fantasmas,
principalmente com estes, os que nos assombram, vivos ou mortos, desconhecidos
ou famosos.
Há sempre
um interlocutor invisível que precisa ouvir umas poucas e boas, ou nos atender
num confessionário ambulante, na calçada mesmo em meio às buzinas e veículos
que passam tão ligeiros que nem nos percebem. Só os porteiros dos prédios que
reparam e se divertem.
O
ator Caio Blatt disse em entrevista recente que fala muito sozinho, e que
considera isso uma espécie de psicodrama, dando à nossa ansiedade um nome mais
refinado. Mas está certo, e psicodrama , sim, concordo em defesa de todos os
tagarelas solitários.
Estamos
ensaiando uma discussão uma argumentação, um desabafo, que depois pode nem
acontecer, o caso já ficou resolvido ali mesmo, enquanto se cruzava a faixa de
pedestres. Falar sozinho é um ato de generosidade, antes de tudo.
Vá saber
o estrago que causaríamos se falássemos pra valer, olho no olho, tudo aquilo
que mantemos guardado, todo o palavreado da raiva, do rancor e do desassossego
que fica confinado dentro. Melhor soltar as frase ao vento.
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