segunda-feira, 14 de maio de 2012



14 de maio de 2012 | N° 17069
PAULO SANT’ANA

Fingir é uma técnica

Elá vou eu, disfarçando minha solidão, dissimulando meus sofrimentos.

A vida consiste também no exercício do fingimento. Muitas vezes a gente dissimula para agradar aos outros.

Quando me perguntam se vou bem, a vontade que tenho é de dizer que não, mas digo que sim para não desagradar a quem me preza.Se digo que não, a pessoa vai ficar preocupada.

Se não fingíssemos, seríamos uns chatos. Falar a verdade é muito constrangedor. Vai a gente falar a verdade, contar tudo que está se passando, ninguém tem saco para ouvir queixas dos outros.

Então a gente disfarça e conta coisas boas, pelo menos a conversa se torna mais agradável.

Eu tenho uma admiração profunda pelas pessoas que nunca se queixam, dizem que levam a vida numa boa, que está tudo dentro dos eixos, mas a gente sabe que não é verdade.

Mas há pessoas que têm a vocação sublime de não se queixar da vida, para elas tudo é róseo, elas suportam estoicamente as amarguras, têm uma consciência estupenda de que a vida não é sopa, é uma luta constante, todos os dias aparecem dificuldades, mas fazer o quê?

Há pessoas que sabem que o homem, por sobre quem caiu a praga da tristeza do mundo, não consegue fugir do desalento.

Ele se esgueira, ele tergiversa, mas está quase sempre batendo nos rochedos rudes do infortúnio ou pelo menos das atrapalhações.

Há algumas pessoas, por exemplo, que têm sérias dificuldades financeiras para levar a vida em frente.

Estão sempre correndo atrás nas suas contas, mas dão um jeito daqui, um jeito dali, um empréstimo, atrasam por um ou dois meses uma conta, vão levando a vida procrastinando compromissos, mas no fim do mês fazem uma ginástica danada para conciliar o salário com as despesas.

São uns heróis, atravessam a existência debaixo do orçamento ingrato, mas milagrosamente permanecem otimistas e até mesmo alegres.

Isso é o que chamo de dissimulação, de fingimento, um modo de driblar a vida.

São uns heróis, eu rendo a eles minhas homenagens.

Se se quer ser mais ou menos feliz, tem que fingir. Mesmo estando na pior, tem de fazer parecer aos outros que se está numa boa.

E se a gente não for parecer a si próprio que está numa boa, acaba enlouquecendo.

E tudo isso levado à frente pela esperança de melhorar. Sem a esperança não dá para seguir em frente.

Eu conheço pessoas seriamente amarguradas que, no entanto, estampam sorrisos permanentes em seus rostos. São admiráveis. Isso não é bem fingimento, é forma de conduta para tentar jogar para longe a pressão da infelicidade, e têm razão: se a gente for ceder ao sofrimento e se entregar, tudo estará perdido.

É preciso fingir, é preciso tentar enganar o azar, um dia acaba esta pindaíba e a gente consegue se livrar dessas encrencas.

A criatura humana tem de ser antes de tudo uma forte, não podemos se entregar pros home, não está morto quem peleia, disse no meio de cem cachorros uma ovelha.

A melhor forma de enfrentar a opressão é a coragem e o otimismo.

Nem que seja fingimento.

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