12
de maio de 2012 | N° 17067
CLÁUDIA
LAITANO
O lado certo da História
Don
Draper, o protagonista da série de TV americana Mad Men, é da geração do meu
pai. É verdade que, nos anos 60, quando se passa a ação do seriado, meu pai era
um sossegado gerente de loja em Porto Alegre, enquanto Don Draper vivia sua
agitada rotina de casos e bons uísques em uma agência de publicidade de Nova
York.
Descontado
o fator glamour, porém, os dois são exemplares bonitões de uma mesma geração, a
que cresceu nos austeros anos 30 e assistiu à revolução de comportamento dos
anos 60 já acomodada no sofá e com filhos para criar (alguns deles, hoje fãs de
Mad Men exatamente porque a série evoca a juventude dos seus pais).
Nunca
os adultos foram tão diferentes dos adolescentes quanto naqueles anos em que a
juventude, como estilo de vida e nicho de mercado, estava começando a ser
inventada – e é o surgimento dessa desinteligência entre gerações que a série
começa a retratar. Estamos no ano de 1966, e Don Draper acaba de completar 40
anos. Don é o cara: charmoso, bem-sucedido e capaz de traduzir o espírito da época
em comerciais que vendem todo tipo de produtos.
Sua
segunda mulher, na casa dos 20, sugere que ele escute Revolver, recém-lançado álbum
dos Beatles, para que ele entenda do que todo mundo (com menos de 30) está falando.
Don coloca o disco na vitrola, e escutamos a última faixa, Tomorrow Never Knows
– uma viagem lisérgica de John Lennon que fala sobre desligar a mente, relaxar
e “ouvir a cor dos sonhos”.
Em
menos de três minutos, e sem que nenhuma palavra precise ser dita, percebemos
que Don Draper, até então “o cara”, não entendeu nada – muito menos que aquela
música, ousada demais até para os fãs, anunciava uma nova forma de sentir e
pensar. O personagem ainda não sabe, mas acaba de ser ultrapassado pelos
acontecimentos.
A
História às vezes marcha tão lentamente que nada parece estar acontecendo. Às
vezes, move-se aos saltos – e é sempre fascinante quando conseguimos perceber,
a olho nu, que um vento realmente novo está soprando no ar. Na semana que
passou, assistimos a um desses momentos que dividem a História entre antes e
depois – e as opiniões entre contemporâneas e ultrapassadas.
Ao
afirmar diante das câmeras que casais do mesmo sexo deveriam ter o direito de
se casar, o presidente americano, Barack Obama, o primeiro nascido nos anos 60,
levou a outro patamar uma discussão que, há menos de 20 anos, seria impensável
em um contexto de campanha.
Os
jornais ainda discutem se a decisão favorece ou não Obama na corrida eleitoral.
A maioria concorda que não fará muita diferença, já que em meio à crise o que
vai decidir as eleições é a economia e não as questões sociais. (O slogan da
campanha democrata deste ano, não por acaso, é “Forward”: para frente, e para
fora, da crise.) Para efeitos simbólicos, porém, não importa se Obama está com
segundas ou terceiras intenções: o que vale é o gesto e o seu significado histórico.
O título
de um editorial do jornal The Boston Globe resumiu o impacto da declaração, não
sobre o resultado das eleições, mas sobre o futuro de uma ideia que,
surpreendentemente, já não parece tão assustadora assim, nem mesmo para os
republicanos: “Obama está do lado certo da História”.
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