26
de maio de 2012 | N° 17081
CLÁUDIA
LAITANO
Sinceridade x Autenticidade
Você acha que Xuxa foi sincera ou não? Há exatos
40 anos, um crítico de literatura americano chamado Lionel Trilling (1905 – 1975)
propôs uma distinção interessante entre dois valores aparentemente muito próximos:
sinceridade e autenticidade. Ambos, segundo Trilling, refletem a moralidade de épocas
diferentes.
A
ideia de que as pessoas deveriam ser sinceras, ou seja, fiéis a uma verdade
interior, desenvolveu-se a partir do romantismo e perdeu prestígio ao longo do
século passado, na medida em que foi ficando cada vez mais difícil acreditar
tanto nas verdades únicas quanto na capacidade de expressá-las.
Na teoria literária de Trilling, a
sinceridade era o ideal dos personagens românticos, que perseguiam a correspondência
perfeita entre uma motivação interna e as ações no mundo exterior. Faria
sentido falar da sinceridade dos personagens de Jane Austen ou Charles Dickens,
por exemplo, mas não de uma heroína de uma tragédia grega ou de um personagem
de Beckett.
A autenticidade, por sua vez, é uma demanda
da modernidade e implica admitirmos que nem sempre uma verdade única e absoluta
esconde-se atrás dos nossos gestos e palavras (valeu, Dr. Freud). Uma mesma
pessoa pode ser levada a agir por diferentes motivações.
Ser “autêntico”
significa agir de acordo com a verdade que se impõe em determinada situação – o
que, claro, torna tudo muito mais difícil de julgar para quem está de fora. Políticos,
com certa frequência, nos deixam confusos: quando votam contra a própria
vontade (uma verdade interna) para obedecer a uma orientação do partido (uma
verdade acordada) estão agindo de forma honesta ou não?
Uma pessoa e um país estão o tempo todo
renovando sua identidade e suas “verdades”. As tradições gaúchas, por exemplo,
podem ser autênticas ou não, na medida em que as pessoas se sintam ou não
representadas por elas. A alma romântica dirá que existe um único passado gaúcho
a ser cultuado e celebrado. A alma moderna dirá que o tradicionalismo é apenas
uma das representações possíveis da gauchidade.
Mesmo que a maioria de nós já não consiga
acreditar 100% nos outros (ou em si mesmos), a sinceridade permanece como um
ideal romântico que se coloca em cena de tempos em tempos, principalmente em
relação a pessoas públicas. Na semana que passou, o Brasil assistiu a um
curioso debate sobre a sinceridade de Xuxa durante uma entrevista concedida ao
Fantástico. Mas será mesmo possível cobrar sinceridade de uma pessoa quando ela
está falando para milhões de desconhecidos?
Da Xuxa, assim como dos políticos, talvez
seja mais realista, e útil, perguntar-se sobre as diferentes motivações que
atendem quando se esforçam para parecer sinceros.
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