17
de maio de 2012 | N° 17072
PAULO
SANT’ANA
Nunca
Nunca
tentei dissuadir quem tivesse convicções arraigadas.
Nunca
me aproximei de mulher que pertencesse a outro homem. Ao contrário, inclinei-me
sempre por mulher que não pertencesse a ninguém.
Nunca
fiz dívida que não pudesse pagar. E, quando por momentos não pude pagar
determinadas dívidas, não dormia à noite enquanto não pudesse saldá-las. Por
sinal, nunca concordei com aquela máxima mau-caráter de que quem tem de se
preocupar com a dívida é o credor e não o devedor.
Nunca
cobrei dívida de quem me tivesse caloteado se ela fosse pequena. Fingi sempre
que tinha esquecido.
Nunca
gostei de dizer “adeus”, sempre substituí esta palavra por “até breve”, até
mesmo quando quem partiu tinha morrido.
Nunca
em toda a minha vida guardei mais que dois segredos. Ainda os guardo e suponho
que os guardarei até a morte.
Nunca
cometi calúnia (atribuir a autoria de crime inexistente a outrem). Mas já
cometi difamação, do que sempre acabei me arrependendo. Ainda na segunda-feira
passada, difamei alguém no microfone em resposta a uma agressão injustificável
que sofri num debate, uma espécie de legítima defesa.
Nunca
dei mais que duas palmadas em filhos meus pequenos. Já meu pai nunca me deu
menos que duas violentas bofetadas.
Nunca
tive inveja de amigo meu. Já ciúme de amigo meu que se aproximava mais de
outrem que de mim, tive-o mais de mil vezes.
Nunca
invadi chácara alheia, quando eu era criança, se as bergamotas lá existentes
fossem verdes. Já quando as bergamotas eram maduras, eu invadia mais que o MST.
Nunca
recusei um enfrentamento pessoal. Fui admiravelmente corajoso em alguns,
miseravelmente covarde em outros, dependendo do tamanho ou do poder de fogo dos
meus antagonistas.
Nunca
deixei de comprar brigas e já fugi de muita briga. Quando comprei briga, não
calculei nada. Quando fugi de briga, fui estratego.
Já
chorei de dor e já chorei de alegria. Gozado, mas nunca consegui sorrir de
sofrimento ou na derrota.
Nunca
serei rico a ponto de me julgar poderoso, mas sempre me considerei na pobreza
como um súdito.
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