DANUZA LEÃO
Olé
Sevilha
não se modernizou, não vi nenhuma periguete de coxa de fora, poucas pessoas
usam tênis
ESTÁ
DIFÍCIL viajar; por isso, quando vou tirar umas férias, penso muito na hora de
decidir para onde vou. Tirando Paris, claro, meus critérios são:
1 -
não vou a lugares que estão na moda.
2 -
só viajo fora de estação, quando as cidades estão mais vazias, para não ter que
ver os ônibus de turistas tirando fotos com celulares.
3 -
viagens para mim são aquelas em que posso arejar a cabeça e ver coisas bonitas,
sem obrigações de "não pode deixar de". O "não pode deixar
de" acaba com qualquer viagem, aliás, com qualquer vida.
Por
isso gosto de lugares não globalizados, onde não existem as Ralph Lauren, Prada
e Vuitton da vida. Não que eu não goste de comprar; até compro (com moderação),
mas esse, para mim, não é um item fundamental.
4 -
dou uma pesquisada básica sobre a culinária local, pois adoro comer, mas nunca
fui ao El Bulli, quando ele existia; reservar um restaurante com seis meses de
antecedência, para contar que fui, nem pensar. Por essa razão, nunca tive
vontade de conhecer Bolívia, Cuba, Viena, Canadá, nem os países escandinavos,
mesmo sabendo que o restaurante cotado em primeiro lugar no mundo é
dinamarquês, o Noma. E detesto cidades onde as hamburguerias são ostensivas, ou
que os restaurantes sejam conhecidos pelos nomes dos seus chefs.
Seguindo
esses critérios, estive em Sevilha no final de abril e fiquei maravilhada.
Conheci a cidade há muitos anos, tantos que não quero nem pensar, e está tudo
igual: Sevilha não se modernizou, não vi nenhuma periguete de coxa de fora,
pouquíssimas pessoas usam tênis, as carruagens, com três, quatro ou cinco
cavalos, todos da mesma cor, continuam nas ruas, todos se vestem discretamente,
e vejo isso como fruto de uma cultura muito sólida, que não se deixou seduzir
pelas modernidades.
É
uma cidade viva, cheia de cores, alegre; como era primavera, os canteiros de
todas as ruas estavam floridos, e as árvores (também nas ruas), cheias de
laranjas maduras -aliás, as melhores laranjas do mundo, só comparáveis às do
Marrocos.
Havia
turistas, sim, mas não em bandos barulhentos; eram tão discretos que nem
pareciam turistas. Em Sevilha não existe o frenesi das compras, pois as lojas
só vendem o que tem a ver com a cultura local: vestidos de sevilhanas longos,
com muitos babados, pentes enormes para segurar as mantilhas, xales com franjas
de todas as cores, castanholas, sapatos para dançar o flamenco, e mais ou menos
só.
Sem
a pressão do consumo, dá para apreciar a cidade com calma, tomar um
"fino" (xerez) a qualquer hora, em qualquer bar de tapas, e passear
pela cidade a pé.
Almoça-se
às 2h30 da tarde, depois do almoço se faz a siesta, como todos os sevilhanos, e
jantar, só depois das dez, sem correria. Ninguém tem pressa em Sevilha.
Em
nenhum lugar, a nenhuma hora, se ouve um som tipo bate-estaca ou música de
elevador; a que se escuta é sempre a local, o que ajuda a entrar no clima. Como
fui na semana da "feria", festa tradicional da cidade, havia mulheres
de todas as idades, dos 3 aos 90, vestidas de Carmen, personagem da ópera de
Bizet, que era sevilhana; nas lojas, nos restaurantes, nas igrejas, de manhã, à
tarde, à noite.
E
como se come bem em Sevilha, mas como se come bem. Cada um tem seu paladar, e o
meu, depois dessa viagem, virou totalmente espanhol. No momento, com toda a
crise, a Espanha é o lugar onde melhor se come no mundo, e muito mais barato
que no Brasil.
Sevilha,
com bons amigos, é uma fuga desse mundo caótico em que vivemos, e na volta você
até pensa que foi tudo um sonho.
E
sabe por que -e principalmente- Sevilha é essa maravilha? Porque não está na
moda.
danuza.leao@uol.com.br
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