30
de maio de 2012 | N° 17085
MARTHA
MEDEIROS
O importante é ter charme
Amanhã
é o Dia Mundial sem Tabaco, data impensável nos anos 70, quando fumar ainda era
uma atitude de classe. Não por acaso, uma das marcas mais vendidas chamava-se
Charm, que contava com garotas-propaganda do quilate de Danuza Leão, Adalgisa
Colombo e Ilka Soares, todas mulheres de personalidade, reconhecidas por sua
beleza e sofisticação. Mesmo quem não fumava tinha vontade.
Em 20
anos, todo esse glamour virou fumaça. Acender um cigarro passou a ser uma
atitude deselegante, que não agrega nada de positivo à imagem daquele que dá suas
baforadas. Outro dia, estava dentro do meu carro, esperando o sinal abrir,
quando uma senhora chique, com os cabelos brancos bem cortados, de porte monárquico,
começou a atravessar pela faixa.
Minha
admiração murchou quando reparei que a rainha estava dando suas últimas e
aflitivas tragadas antes de entrar em um shopping. Fumar caminhando na rua já é
feio, e pra completar, a madame jogou a bituca no chão. Muita gente já não joga
lixo no chão (amém), mas parece que a regra não vale para o cigarro. Largam em
qualquer lugar, pisam em cima e vão em frente.
A
propaganda tabagista saiu do ar, e o charme também – não o cigarro, mas o
atributo. Ninguém mais acha importante ter charme.
Não
jogar lixo na rua é uma questão de educação, sei disso, mas ser educado também é
uma atitude charmosa. Ainda mais nos dias atuais, em que a grosseria impera, as
pessoas são folgadas, os gestos são espalhafatosos, o tom de voz é alto, a
megalomania é indisfarçada, a falta de cerimônia é geral.
Não
há mais espaço para a sutileza, para o pedido de licença, para as atitudes
suaves, para a discrição. Adeus à vida em slow, a uma presença insinuada e
sensual. Agora tudo acontece sob os holofotes, é escancarado, gritado, a atenção
é requerida à força.
A
distorção de valores chegou a tal ponto, que pessoas discretas são consideradas
arrogantes, os modestos são vistos como dissimulados e os que não se rendem a
modismos são tachados de esnobes. Ser autêntico – requisito número 1 para se
ter charme – virou ofensa. Ou a criatura faz parte do rebanho, ou é um metido a
besta.
A
cena clássica da mulher fatal segurando uma piteira e a do homem viril com o
toco de cigarro no canto da boca ainda povoam o imaginário dos nostálgicos, mas
o importante é ter charme, hoje, sem precisar de acessórios.
O
modo de mexer no cabelo, uma fala pausada, um olhar direto, um sorriso espontâneo,
a segurança de não precisar se valer de estereótipos para agradar – charme. Bom
gosto nas escolhas, saber a hora de sair de cena, fazer as coisas do seu jeito –
charme.
Estar
confortável no corpo que habita, ter as próprias opiniões, alimentar sua
inteligência com livros e pessoas interessantes – charme. Não se mumificar, não
ser tão inflexível, não virar uma caricatura de si mesmo – charme. Que o
mantenhamos, sem precisar voltar a fumar.
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