23 de maio de 2012 | N°
17078
PAULO SANT’ANA
O furto doentio continuado
Acho que descobri o motivo pelo qual Falcão
não fala para Zero Hora: ele usa do princípio constitucional de não ser
obrigado a produzir provas contra si próprio.
Acho que todo mundo sabe o que é
cleptomania: é a mania que os cleptomaníacos têm de furtar objetos que não são
necessários para ele, que não têm teoricamente valor econômico, e o
surripiamento desses objetos se dá em lojas, lares, repartições públicas etc.
Pois bem, ontem, eu e o Tulio Milman
discutíamos acaloradamente a gênese da cleptomania.
O Tulio expôs a tese dele: o cleptomaníaco,
ao furtar objetos, está em busca de afeição, procura furtar objetos que fazem
falta a alguém ou a algum lugar que ele preza.
Eu achei que o Tulio quer dizer que, como
gosta de alguém que ele furta, o cleptomaníaco procura tomar para si uma parte
daquela pessoa querida, de vez que não pode possuí-la toda.
Evidentemente que era uma discussão sobre
tema evidentemente psiquiátrico, que contém assim muitas cores de indagação
filosófico-psicanalítica, que por sua vez comporta explicações de difícil e
conturbada interpretação.
Já eu mostrei tese diferente: o
cleptomaníaco revela ter necessidade de ser superior à pessoa que ele furta.
Quando furta algo de alguém, busca demonstrar que tanto é superior a esse
alguém, que é capaz de ludibriá-lo, de vencê-lo na competição patrimonial,
alienando para si parte da propriedade de alguém, que resta então impotente – e
sobrepujado.
Havia, certa vez, uma mulher que visitava
minha casa, muito amiga de minha mulher.
E, toda vez que ia a minha casa, essa
mulher furtava um objeto. Furtou dezenas.
O caso dessa cleptomaníaca que furtava na
minha casa se adapta perfeitamente a qualquer uma das duas teses.
Adapta-se à tese do Tulio porque, ao furtar
objetos da minha mulher, revelava admiração pela minha mulher, então furtava
fragmentos pessoais de minha mulher, revelando apego a eles. Em última análise,
apego à minha mulher.
E o caso da mulher que furtava na minha
casa se adapta também à minha tese: visivelmente a ladra admirava minha mulher
e por isso a invejava.
Criou, portanto, uma disputa com minha
mulher, entendendo que venceria essa luta se a lograsse de alguma forma,
escolhendo o furto como especialidade da sua inveja.
Lembramos, eu e o Tulio, o caso do rabino
Sobel, que ficou mais famoso furtando gravatas em lojas de moda masculina.
Eu e o Tulio nos perguntamos: por que o
rabino só furtava gravatas? Dizem que tinha coleção desse adereço.
Eu ventilei a tese de que o rabino
especializou-se na técnica de entrar nas lojas, pedir várias gravatas para
experimentar, comprar uma ou duas e furtar quatro ou cinco.
Ficou tão esmerado na técnica, que sentia
muito mais facilidade em praticar aquele tipo de furto, viciando-se na
reiteração.
E deixava as lojas como um vencedor.
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