sábado, 12 de maio de 2012



12 de maio de 2012 | N° 17067
NILSON SOUZA

A magia da dança

Eles foram arrancados de seus lares, atravessaram o oceano amontoados em porões de precárias naus, chegaram acorrentados e tiveram que trabalhar duro nas lavouras de cana, entre o açoite e a noite, até que as leis e os reis não puderam mais evitar que o sol da liberdade brilhasse no céu da pátria. E tudo terminou em Carnaval.

Essa síntese simplória da saga do negro brasileiro, extraído a fórceps do útero da mãe África, escravizado pelos senhores de engenho e alforriado pelo engenho de outros senhores quando já não mais servia a seus propósitos, também pode ser contada sem palavras. Foi o que constatei no último fim de semana, impactado, ao assistir ao espetáculo de dança contemporânea e folclórica protagonizado por um grupo de bailarinos cinquentões, dirigidos pela professora Morgada Cunha, no teatro do CIEE.

Pausa para uma confissão. Fui aluno da referida mestra no pretérito imperfeito da minha formação, quando cursei Educação Física com a intenção de melhorar o meu desempenho de cronista esportivo. Paguei o maior mico ensaiando para uma coreografia obrigatória da cadeira de Ginástica Rítmica. Nunca tive jeito para a coisa.

Pedia para minha mulher fechar portas e janelas da casa, temendo ser observado pelos vizinhos naqueles movimentos ridículos e descoordenados. Além de excelente coreógrafa, dona Morgada, que tinha fama de durona, devia ser também muito generosa, pois acabei aprovado na sua disciplina. E ainda hoje não sou capaz de dançar nem mesmo aquela parte do Pezinho em que o gauchão mal movimenta o pé.

Mas os discípulos da professora Morgada, que formam o antigo grupo de dança da UFRGS, ainda são exímios na sua arte. Afastados dos ensaios e dos palcos por quase três décadas, buscaram fôlego na saudade e ofereceram um belo espetáculo ao público e à mestra querida de muitas gerações de dançarinos. Ao mesmo tempo, anteciparam uma homenagem bonita e adequada aos filhos dos desterrados, esses brasileiros tostados pelo sol dos quatro mundos, como os definiu Castro Alves no mais célebre libelo da poesia brasileira.

A linguagem da dança é universal, não precisa de palavras. Uma história comovente pode ser contada com gestos, com expressões, com corpos em movimento, com ritmo e, evidentemente, com o talento dos atores e autores do espetáculo.

E a magia se completa com os aplausos do público. Fiquei feliz por poder contribuir nesta parte.

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