23 de maio de 2012 | N°
17078
MARTHA MEDEIROS
Sem perdão
Este mês, assisti com atraso, em DVD, ao
filme Em Teu Nome, de Paulo Nascimento, cuja história gira em torno da ditadura
militar, ocasião em que muitos brasileiros foram obrigados a abandonar o país
feito ratos, até ficar o mais longe possível de seus ideais.
O filme mostra alguns rituais de
tortura, e por mais que já tenhamos visto e revisto essas cenas dramáticas em
várias outras obras, não há como não se horrorizar. Guardadas as proporções, a
ditadura militar foi o nosso Holocausto e aconteceu embaixo dos narizes de
nossas famílias.
Ainda sob o efeito do filme, acompanhei a
entrevista que Carlos Araújo deu à Rádio Gaúcha e que foi publicada por Zero
Hora na última sexta-feira, e mais uma vez a sensação foi de embrulho no
estômago. O ex-deputado deu detalhes dos procedimentos cruéis e desumanos que ele
e demais presos políticos sofreram. Nenhuma novidade, mas se nos contarem mil
vezes como foi, mil vezes nos escandalizaremos.
A tortura é, de longe, o crime
mais abjeto que alguém pode cometer. Por isso, a relevância da criação da
Comissão da Verdade, que (se não virar mais uma forma de escoar nossos impostos
para o bolso de alguns) pretende deixar às claras esse período vergonhoso do
Brasil.
Sempre acreditei nos benefícios do perdão.
Diz um poema da mineira Vera Americano: “Perdão/ duro rito/ de remoção do
estorvo”. Não é fácil, mas remover os estorvos de dentro de nós – o rancor, por
exemplo – torna a caminhada mais leve. Por que insistir no revanchismo? Assim
fui aliviando minha bagagem existencial ao longo da vida, e hoje não há quem me
faça trincar os dentes e desejar-lhe o mal.
Já perdoar um torturador está fora de
questão. Não há como compreender que alguém tenha tamanho sangue frio, tamanha
perversidade para provocar dor física dilacerante em outra pessoa – e dor
psicológica também, que por vezes dura para sempre.
É preciso ser muito bestial para
dilacerar a integridade de um homem, de coisificá-lo como se ele fosse um
pedaço de madeira ou um trapo de pano, que a tudo pode suportar. No ranking das
maldades extremas, matar fica em segundo lugar – comparado com a tortura, é
quase uma generosidade.
Talvez ainda haja torturadores entre nós,
sentados ao nosso lado nos cinemas, apertando nossas mãos em festas, anistiados
com o perdão do tempo – ora, aquilo foi em outra época, vamos esquecer, quer
mais uma empadinha?
Que a Comissão da Verdade, além de
descobrir o que foi feito de cada um dos desaparecidos, identifique cada um de
seus carrascos. Mesmo que muitos já tenham morrido sem nenhuma punição, que
conheçamos suas caras, que venham à tona suas brutalidades, que seus filhos
sintam-se avexados por levar o mesmo sobrenome, que seus netos lamentem a
ascendência que têm.
Que essa caixa-preta seja aberta para não
ficar por isso mesmo.
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