24
de maio de 2012 | N° 17079
L.
F. VERISSIMO
Camus
superstar
Paris – Nos últimos anos, criou-se um novo
tipo de intelectual francês, produto da TV e misto de filósofo e pop-celebridade.
Eles aparecem nos painéis de discussão política ou debate cultural na TV – e
como tem painéis de discussão política e debate cultural na TV francesa! – são
bem articulados, muitas vezes controvertidos e acima de tudo fotogênicos. Na
sua maioria, são jovens e têm uma quantidade assustadora de cabelo.
Eu estava vendo um desses programas em que
eles aparecem e me ocorreu o seguinte: o Albert Camus nasceu na época errada.
Tinha tudo para ser uma estrela da mídia, só que não existia a mídia, pelo
menos não na maneira avassaladora com que existe hoje.
Era
um homem bonito, e devia muito do seu destaque no mundo intelectual de Paris –
e certamente sua vantagem na comparação com o outro filósofo público da época,
Jean-Paul Sartre – ao seu ar de galã “noir”. Segundo maldosa fofoca
contemporânea, os dois tinham sorte com as mulheres, o Sartre só precisava se
esforçar mais um pouquinho.
Tanto Camus quanto Sartre eram
celebridades, mas de um círculo restrito. Suas diferenças mais evidentes, e as
opiniões políticas que acabaram determinando o fim da sua amizade, foram
expostas em artigos e réplicas e tréplicas na imprensa de esquerda, com escassa
repercussão fora do círculo.
Pode-se
imaginar os dois debatendo suas ideias num programa de TV moderno. Como no
debate entre Kennedy e Nixon, que, segundo se diz, definiu a eleição de Kennedy
e inaugurou o uso efetivo da TV como arma eleitoral, Camus e Sartre talvez
empatassem nas ideias, mas Camus ganharia longe nos quesitos imagem e simpatia.
Como o carismático Kennedy ganhou do lúgubre Nixon.
Por menor que seja o público dos seus
debates, os novos filósofos eletrônicos têm sempre uma plateia algumas centenas
de vezes maior do que a que ouvia Sócrates, por exemplo, na Grécia, ou a dos
admiradores de Camus ou Sartre em volta de uma mesa de café em Paris.
No
caso de Camus, só se pode lamentar seu nascimento precoce. Se há um filósofo
que mereceria uma projeção e um público de superstar é ele. Bom, Sócrates
também, mas duvido que ele se acostumasse com as luzes.
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