quarta-feira, 9 de maio de 2012



09 de maio de 2012 | N° 17064
DIANA CORSO

A chave do tamanho

Tardiamente, fui conhecer Brasília. Temos, eu e ela, certa identidade: de gêmeas separadas ao nascer, mesmo ano. Devo dizer que me inquietou ao vê-la, cinquentona como eu, meio caidaça. Espero que os paralelos não sejam tão óbvios.

Mas o que realmente me surpreendeu foi o tamanho dos prédios, aqueles que são ícones da nossa nacionalidade. Esperava muito ver ao vivo o Palácio da Alvorada, o Itamaraty, a Catedral, o Congresso. Suas imagens povoam minha memória, estampadas em jornais, selos, moedas, na televisão. Desde que me entendo por gente, são sinônimo do país, erguidos para encarnar o progresso e a grandeza da pátria. Cresci acreditando nisso. Eles são mesmo bonitos, mas surpreendentemente menores do que supunha.

Entenda-se: não são pequenos, minha imaginação era superlativa. Vivi sentimento idêntico ao entrar em lugares da infância, aos quais a memória preserva a grandeza. Espichamos e esquecemos que crianças sofrem de nanismo, para elas tudo é grande e inacessível. Alguém se lembra, por acaso, como é não saber o que há em cima da mesa?

Impossível não evocar A Chave do Tamanho, de Monteiro Lobato. Nessa história, tentando acabar com a guerra (foi publicado em 1942), a boneca Emília vai para a Casa das Chaves, reguladoras de todas as coisas do mundo. Queria achar e desligar o controle do conflito bélico que, além de mundial, parecia não ter fim.

Por acidente, acaba ativando uma chave que controla o tamanho dos seres humanos, que ficam reduzidos a dois centímetros de envergadura. Entre os inúmeros perigos, a pior das desventuras da boneca ocorre com duas crianças que ela encontra, cujos pais acabam sendo devorados pelo próprio gato da família, na frente dela. “A mudança de tamanho da humanidade vinha tornar as ideias tão inúteis como um tostão furado”, filosofa a boneca. Aliás, ela sobrevive graças à esperteza de perceber que tudo deve ser avaliado em outra escala.

Depois que crescemos, pessoas, objetos e lugares encolhem. Só mesmo nosso desamparo mantém a envergadura. Ele não desaparece quando alcançamos os trincos das portas. Quando pequenos, há pessoas grandes, que supomos protetoras; depois, tudo e todos perdem o porte. Assim, quem olhará por nós?

A pequenez nos angustia, preferimos delirar a grandeza. Mas grande mesmo é a sabedoria da Emília: a chave é o tamanho. Mostrar aos homens que na verdade são insignificantes é uma ótima ideia para acabar com as guerras. Afinal, elas nascem da onipotência, de se achar maior que os outros. Escalas são pontos de vista e variam. Um dia é do dono, outro é do gato.

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