08
de maio de 2012 | N° 17063
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Meu anjo da guarda
vejo
muitos pais reclamando do aumento de violência e de sua preocupação com a
segurança dos filhos.
Sou
também pai, respeito o medo e igualmente sofro em segredo – me encaixo naquele
caso paranoico que só dorme quando todos estão em casa.
Mas
eu e você temos noção de que a violência não era menor na minha adolescência,
apesar dos protestos da nostalgia, apesar do charme de puxar o otimismo a favor
do meu tempo.
Eu não
esqueci o quanto você me salvou. Poderia ter morrido tantas vezes. E escapei
sempre por um triz, por um golpe de suas asas, pelo seu cuidado telepático,
pela sua generosidade discreta.
Você
recorda, anjo, dos meus 18 anos? Óbvio que sim, minha memória é seu trauma.
Viajava
de carro sem cinto. Uma simples colisão e não existiria mais. Saltaria em direção
ao vidro. A gente bebia depois da festa e dirigia. Não havia campanha,
fiscalização, blitz. Como que nunca aconteceu nada, como?
Sou
seu milagre. Sua hora extra. Seu sonambulismo.
Ou
quando atravessava a cidade a pé e entrava de penetra em qualquer festa que
encontrasse pelo caminho, recorda? Adormecia em paradeiros desconhecidos. E não
tinha celular ou telefone para pedir ajuda.
Já andei
de Assunção a Petrópolis, sozinho, de madrugada, alheio a assaltos e ameaças. Já
fugi correndo de turmas de canivetes e chacos.
Balada
sim, balada não, armava-se um bolo em que os socos surgiam do nada e os colegas
se defendiam com garrafas quebradas. Cortei a minha cabeça numa luta, o que
rendeu quatro pontos. Quase foi fatal.
E o
amor totalmente desprevenido? Ai, anjo da guarda, raros usavam camisinha com as
namoradas na minha época. Mergulhei numa década inconsequente e saí ileso.
Gerei
o dobro de trabalho para seus voos e vigílias, né?
E as
drogas que circulavam entre os conhecidos, o lança-perfume que vinha de Rio
Grande? E os comas alcoólicos?
Não
foi uma vez que desmaiei na calçada do Bom Fim. Apaguei uma noite no Parque da
Redenção, acordei com gritos de um brigadiano: “Vamos circular!”.
Os
adolescentes torravam mesada em bebida e se vestiam como mendigos, com calças
rasgadas e camisetas para fora.
Meu
fígado não tinha rótulo. Superei conhaque de pior espécie, vinho de garrafão de
procedência duvidosa, cigarros de filtro laranja.
Pegava
carona na BR-116 (considerava um absurdo gastar com ônibus) e não deparei com
nenhum assassino.
Incrível
que esteja aqui para agradecê-lo. Se minha mãe soubesse o que passei, arrumava
um castigo retroativo.
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