08
de maio de 2012 | N° 17063
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
Ainda Xingu
Interessante
e relevante a polêmica sobre o relativo fracasso de bilheteria do filme Xingu,
dirigido por Cao Hamburger e produzido por Fernando Meirelles, este o autor de
um texto saído ontem, aqui mesmo no Segundo Caderno. Meirelles aponta o Rio
Grande do Sul como o Estado que menos prestigiou o filme, que trata da
impressionante saga dos irmãos Villas Boas sertão adentro, começando nos anos 1940
e avançando até nossos dias.
O
final do filme, aliás, é realmente apoteótico, alcançando o atual Parque Nacional
do Xingu, que só existe por causa dos irmãos e da circunstância fortuita,
brasileiríssima, de que o maluco do Jânio Quadros assinou o decreto, por
simpatia arbitrária, em seu curtíssimo governo.
Vale
aprofundar uma análise desse fracasso. Meirelles lembra que o filme foi bem em
concursos na Europa e nos EUA, mas não agradou aqui. Para ele, o tema é o “desinteresse
pelos índios ou por questões de preservação do patrimônio natural do Brasil”.
Tem
razão: índio e Amazônia são temas de culto nos países desenvolvidos, mas não dão
camiseta a ninguém por aqui, menos ainda no RS. Que o diga a memória esfumaçada
de um grande indigenista gaúcho, o saudoso amigo Jorge Pozzobon, falecido
apenas uns anos atrás, cujo belíssimo livro Vocês, Brancos, Não Têm Alma simplesmente
não circulou, o que é uma lástima, quase digo um crime.
Mas
o filme tem problemas, que podem ter contribuído para sua fraca carreira. Ao
lado de grandes acertos, da seleção e do desempenho dos atores à fotografia e à
trilha sonora, creio que ele padece de dois defeitos. Um é de identificação: em
momentos cruciais, o espectador não sabe bem a que personagens deve atentar,
aos três irmãos, a índios que estão junto, às parcerias deles etc.
Ok,
isso se deve em parte à natureza da trama, que não tem um centro nítido – mas
acho que o filme teria ganho força se tivesse escolhido com mais clareza um
deles, por certo Cláudio, para ancorar o relato.
O
outro problema tem a ver com a natureza da narrativa. O espectador, por menos
que saiba, tem noção de que se trata de verdade histórica ali: de fato, houve e
há aqueles três irmãos, aqueles índios, aquela floresta; mas o filme não é documental
em sentido estrito. Pois bem: o filme simplesmente desconsidera essa ambivalência,
que está em sua alma e, não por acaso, é desfeita ao final, com força épica,
quando entram imagens amadoras com o Cláudio real e os índios reais, no tempo
histórico real.
E,
se a memória não me trai, o desfecho é estritamente verista: entram na tela
dados sobre o Parque, população de índios etc., numa demonstração de que o
diretor sabia (ou intuiu) que era preciso devolver o espectador ao mundo dos
fatos para alcançar a força que a história de fato tem, mas que não aparece no
conjunto do filme.
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