02
de junho de 2013 | N° 17451
VERISSIMO
O povo das
coberturas
Vai-se
para uma cobertura atrás de um quintal
Amigo
nosso, que acabei de inventar, mudou-se de um apartamento no quarto andar para
um apartamento de cobertura. E nos contou que descobriu outra civilização: o
povo das coberturas.
Começara
investigando as coberturas próximas à sua, num raio que permitia o abano e a
identificação fisionômica. Havia quatro à sua volta e ele estabeleceu contato
com três. A quarta era de uma mulher de idade indefinível que molhava suas
plantas de biquíni e desprezava os seus acenos matinais.
Todas
as coberturas próximas tinham plantas, duas tinham pequenas piscinas. Uma tinha
o que parecia ser uma coleção de esculturas eróticas. Ele está convencido de
que, como um arqueólogo ao contrário, tropeçara numa civilização desconhecida
no céu. O povo das coberturas é diferente. Ele só não sabe se é a diferença que
o faz procurar as coberturas ou as coberturas que o torna diferente.
Ele
encheu o terraço da sua cobertura com plantas, o que serviu para aproximá-lo da
mulher de biquíni, com quem ele agora troca saudações entusiasmadas todas as
manhãs. Agitam os braços, fazem grandes gestos de agradecimento ao sol e à
chuva e desenvolveram uma sólida identificação comunitária pela mímica, de
pomar a pomar.
Nosso
amigo acredita que é a vegetação que faz a diferença entre o povo das
coberturas e o dos outros andares. O povo das coberturas distancia-se o máximo
possível do chão atrás de uma paradoxal compulsão agrícola. Em vez da
fascinação milenar do jardim suspenso, o que ele tem, no fundo, é uma nostalgia
da casa.
A
cobertura é o térreo invertido e, portanto, uma espécie de exaltação do térreo.
Ao contrário do que se pensa, vai-se para uma cobertura por humildade, pela
mais rasteira das virtudes. Vai-se atrás de um quintal.
Nosso
amigo conta que está à beira de uma revelação. Suspeita que todas as coberturas
da cidade formam uma rede semafórica, uma silenciosa conspiração de sinais
trocados acima da percepção comum e do controle das autoridades. Ele já captou
luzes piscando numa cobertura e respondida da outra num código desconhecido. E
acha que ainda não foi incluído na rede porque talvez duvidem das suas
credenciais. Podem ter concluído, observando-o através de suas lunetas (todas
as coberturas têm lunetas), que a dele é uma irreversível alma de quarto andar.
Ele
tem passado as noites em claro, tentando decifrar o código e saber o que eles
dizem. Não tem dúvida de que existe um intercâmbio clandestino entre os tetos
da cidade e não descansará enquanto não descobrir o que combinam. Ou o
incluírem no mistério.
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