quarta-feira, 12 de junho de 2013


12 de junho de 2013 | N° 17460
PAULO SANT’ANA

Nós somos animais

Fazendo uma profunda autoanálise, descobri qual o maior prazer hedônico que possuo nesta quadra da minha vida. E o maior prazer, senão o único, que tenho é o de dar comida aos animais.

É preciso ver o que sinto quando dou petiscos ao meu cão da raça lhasa, o Kunga, que compro nos supermercados. É de ver-se a alegria de que fico tomado pela alegria do meu cão quando lhe atiro as barras de alimento!

Mas excedo esse conúbio espiritual com os animais e saio para as ruas. Compro um quilo de milho em grão e me dirijo à Praça Montevidéu, na frente da prefeitura, atiro os grãos para os pombos que ali vicejam às dezenas.

Lembro só agora que comprava pipocas, quando eu era adolescente, e as atirava para as carpas do lago da Redenção. Cada pipoca engolida por uma carpa era de supetão correspondida por um contentamento meu.

Tenho um quilo de alpiste em meu quarto, sempre. Uso o alpiste para atrair da janela do meu apartamento os pássaros até a minha sacada. O maior número na minha plateia de aves é dos pardais, mas já consegui atrair canários, pintassilgos e até cardeais.

E lá vou eu na vida como um São Francisco moderno, em meio a um arranha-céu, compartilhando a vida com os passarinhos. Tenho o orgulho de, no bairro Partenon da minha infância, quando todos os guris da minha idade se aparelhavam com fundas e bodoques, nunca matei um só pássaro, eu já entendia naquele tempo que a vida é um direito dos pássaros e eu não tinha o direito de me divertir assassinando-os. Deus me livrou para sempre dessa culpa.

São Francisco de Assis conversava com os animais e com as flores. Por isso, havia quem o encarasse com um louco ou, no mínimo, um tolo. São Tomás de Aquino foi um santo de gabinete. São Francisco foi um santo das ruas.

Lendo profundamente a obra de Chesterton sobre São Tomás de Aquino e sobre São Francisco, pude ver que os dois santos católicos admitiam com fervor intelectual a reencarnação, os dois consideravam, como Epicuro, que os homens depois de mortos podem voltar à Terra reencarnados em animais ou até mesmo em grãos de areia ou frutos nos pomares.

Tenho, por isso, orgulho de já ter escrito umas cinco colunas através dos tempos em que me declarava crente na reencarnação, o que suscitou nos espíritas várias manifestações solidárias a mim.

É que só tenho uma explicação para a vida: não pode tudo terminar com a morte e é certo que nós voltemos em outras vidas, na condição de novamente humanos, na pele de animais ou até como coisas.

Porque não pode um homem ser rico e outro pobre, uma pessoa ser feia, outra bonita, um gordo, outro magro. Penso que não pode ficar tudo para sempre assim, tudo por isto mesmo, isto é, haverá outras vidas em que nos aperfeiçoaremos, até que, no meu sonho, um dia ingressemos no Paraíso, no regaço de Deus.


E, lá no céu, fico imaginando, ao lado de Jesus, da Virgem e dos meus amigos que já morreram, entre eles minha mãe e meu pai, já pensaram como vou botar pra quebrar?

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