20
de junho de 2013 | N° 17467
L.F.
VERISSIMO
Gatsby S.A.
Para
coincidir com o lançamento do filme, que abriu o festival de cinema de Cannes
deste ano, inaugurou-se uma espécie de indústria de Grandes Gatsbys. Várias
editoras aproveitaram o estardalhaço para publicar suas versões do livro de
Scott Fitzgerald.
Nas
diversas edições em inglês, só o que muda de uma versão para outra, claro, é a
apresentação gráfica (com ou sem Leonardo DiCaprio na capa, por exemplo), mas
nas novas traduções que pipocam pelo mundo imagina-se que a qualidade do texto
de Fitzgerald nem sempre sobreviva. No Brasil há umas quatro ou cinco traduções
do “Gatsby”, entre antigas e novas. A melhor das novas no mercado deve ser a
que a excelente Vanessa Barbara fez para a Companhia das Letras.
Essa
variedade de versões espelha, de certa forma, a variedade de interpretações
possíveis do livro. Não que ele seja um texto obscuro a ser decifrado. Pode-se
até dizer que é uma lição de narrativa clara, junto com Suave é a Noite,
exemplos máximos do estilo elegante de Fitzgerald e do romance tradicional.
Costuma-se
comparar a literatura de Fitzgerald com a do seu contemporâneo Ernest
Hemingway, cujo estilo lacônico, “seco” em contraste com a prosa fluente de
Fitzgerald, seria o futuro da literatura moderna. No entanto, hoje relê-se O
Grande Gatsby com o mesmo prazer da primeira leitura, enquanto reedições do
Hemingway mostram um autor a caminho da pior armadilha que espera um escritor
que se repete, a da autoparódia.
Mas,
se O Grande Gatsby não “quer dizer” nada além do que diz com perfeição, o que,
exatamente, simboliza aquele estranho personagem enfeitiçado pela luz verde do
outro lado da baía que separa o velho do novo dinheiro, a classe legítima da
classe comprada, o seu mundo de negócios suspeitos e escroques do mundo
encantado da sua amada Daisy? “Os ricos são diferentes de nós” é a primeira
frase de um conto de Fitzgerald, anterior ao “Gatsby”.
“É,
eles têm mais dinheiro”, teria comentado Hemingway. Mas Fitzgerald era
fascinado pela diferença. Gatsby é martirizado pela diferença, que o impede, com
todo o seu dinheiro, de ter tudo o que quer – Daisy. Simboliza a mentira do
sonho americano, pois há sempre pelo menos uma baía separando as categorias de
ricos. Ou simboliza a moral mais banal possível, a de que o dinheiro não compra
a felicidade. Nunca uma banalidade foi tão bem escrita.
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