SAMUEL
PESSÔA
Sinal de desgaste do contrato
social
O
baixo crescimento sob Dilma explicitou à sociedade os limites à melhora da
situação de cada um
Impossível
não tratar o tema das enormes manifestações que ocorrem há várias semanas em
diversas cidades do país. Meu entendimento é que os protestos representam um
sinal de que o contrato social da redemocratização brasileira está desgastado.
Desde
a Constituição de 1988, foi-se consolidando a decisão da sociedade de construir
um abrangente Estado de bem-estar social. Universalizamos a educação
fundamental e avançamos muito em direção a universalizar o ensino médio.
Instituímos
o SUS, um serviço de saúde universal e integral, isto é, que cobre todos os
procedimentos médicos. Finalmente, os diversos programas sociais para idosos,
em associação com a aposentadoria do INSS e do funcionalismo, universalizaram,
na prática, a aposentadoria.
Além
desses programas universais, criamos diversas iniciativas para ajudar as
famílias a enfrentar riscos típicos das economias de mercado. Foram criados o
seguro-desemprego, o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez e o Bolsa
Família, entre outros programas.
Finalmente,
introduziu-se o Minha Casa, Minha Vida, que subsidia a aquisição da casa
própria por pessoas de baixa renda. Recentemente, o programa foi estendido, com
a criação de um subsídio adicional para a aquisição de mobiliário e
eletrodomésticos.
A
partir da virada na política econômica em 2009, o governo trouxe para a agenda
os interesses da indústria. Acumulamos reservas internacionais para ajudar a
manter o câmbio mais desvalorizado, e o Tesouro emprestou quantias expressivas
de recursos para o BNDES, com o objetivo de elevar o volume de crédito
subsidiado ao investimento produtivo.
Adicionalmente,
a agenda da indústria levou a inúmeras medidas de desoneração de tributos e à
elevação da alíquota de importação para diversos produtos, com o objetivo de
aumentar a competitividade manufatureira.
O
resultado é um Estado que arrecada muito, por volta de 35% do PIB, transfere
muitos recursos às famílias na forma de aposentadoria e programas sociais,
cerca 14% do PIB, e gasta muito com juros e subsídios. Apesar da queda da taxa
básica, a Selic, o custo de carregamento das reservas e dos subsídios
implícitos nas operações do BNDES onera muito a conta de juros.
Não
sobram, portanto, recursos para investimentos em logística, que poderão ser
viabilizados se o governo aceitar taxas de remuneração maiores nos leilões de
concessão. Mas, principalmente, faltam recursos para investimento em
infraestrutura urbana.
Para
terminar essa longa lista, é preciso lembrar que, apesar de termos caminhado
muito na agenda de extensão de direitos, há o crônico problema da baixa
qualidade dos serviços públicos, principalmente em educação e saúde. Nesse
desafio, como em outros, pouco temos avançado.
O
crescimento mais elevado no governo Lula deixou a sociedade em torpor com
relação às fragilidades do contrato social da redemocratização. O crescimento
bem mais baixo ao longo do mandato da presidente Dilma, que, provavelmente,
fechará seu quadriênio com expansão média do PIB próxima a 2%, explicitou à
sociedade os limites existentes à melhora da situação de cada um.
Aparentemente,
o atual movimento de protestos levanta bandeiras pela melhoria da qualidade dos
péssimos serviços públicos de educação, saúde e transporte urbano, entre
outros. O aumento da passagem de ônibus e o reconhecimento dos elevados custos
dos eventos esportivos serviram com detonadores da insatisfação.
A
notícia que circulou na semana de que a adoção do passe livre requererá dobrar
a alíquota de imposto predial coloca a discussão em bases racionais. Pode-se
considerar a criação do pedágio urbano. Outras possibilidades podem ser
imaginadas.
Com
relação à melhora da qualidade dos serviços de saúde e educação, há uma extensa
agenda que depende da criação de instrumentos que tornem a gestão desses
serviços mais eficiente.
Não
há saída simples e indolor nas escolhas das políticas públicas para enfrentar
as deficiências do contrato social da redemocratização. Oxalá o processo
eleitoral de 2014 sirva para que a sociedade amadureça esses temas e encontre
os caminhos mais adequados.
SAMUEL
PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de
Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.
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