23
de junho de 2013 | N° 17470
VERISSIMO
Adoravam
Hitchcock e passaram a se ver todas as noites
Conheceram-se
numa festa e não demorou para descobrirem uma afinidade: os dois adoravam os
filmes do Alfred Hitchcock. Divergiam em algumas coisas - ele, por exemplo,
achava inverossímil a cena em que a Grace Kelly mata um homem com uma tesourada
nas costas, em Disque M Para Matar, ela achava perfeitamente possível. O
Hitchcock favorito dela era Um Corpo Que Cai, embora já tivesse visto Janela
Indiscreta umas quinhentas vezes. E o Hitchcock favorito dele?
– Os
Pássaros. Ela fez uma cara feia.
O
encontro seguinte foi numa loja de vídeos. Ele mostrou:
–
Olha o que eu achei... Era Notorius. Aquele em que a Ingrid Bergman e o Cary
Grant se encontram na Cinelândia e concordam que o Rio é muito chato. Ela
mostrou o filme que tinha alugado: Os Pássaros. Iria rever para ver se desta
vez gostava.
–
Você não é obrigada a gostar porque eu gosto. – Quero lhe dar outra chance -
explicou ela, rindo.
No
encontro seguinte, ele disse que Notorius tinha envelhecido um pouco. E
perguntou o que ela tinha achado dos pássaros.
–
Sei não... - disse ela
–
Acho que vamos ter que ver juntos - disse ele.
– No
seu apartamento ou no meu?
Foi
na noite seguinte. Apartamento dela. Ela tinha uma amiga loira chamada Rute,
muito parecida com a Kim Novak, que diplomaticamente ficou no seu quarto
enquanto eles viam Os Pássaros na sala. Os Pássaros, argumentou ele, é o filme
metafísico de Hitchcock.
O
único filme de terror na história do cinema que não tem vilões. O vilão é o
mundo, é a natureza vingando-se do homem, é uma ordem pré-humana desarrumada
que reage ao... Antes de terminar a exegese eles estavam se beijando.
Passaram
a se ver quase todas as noites. No apartamento dela, porque a tevê dela era
maior. Só viam Hitchcock. Às vezes discutiam.
–
Disque M Para Matar é um Hitchcock menor. – O quê?! O quê?!
Passavam
alguns dias sem se ver. Aí ele batia na porta dela com uma raridade que
encontrara (Sabotagem, por exemplo) e faziam as pazes.
Ela
se apaixonou por ele. Que de tanto frequentar o apartamento dela, também se
apaixonou. Não por ela, mas pela Rute, sua amiga irresistivelmente
hitchcockiana. Foi o que ele tentou explicar (“Eu sou coerente!
Eu
sou coerente!)” antes de levar uma tesourada nas costas que não o matou,
provando a sua tese, mas acabando com a relação.
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