15
de junho de 2013 | N° 17463
CLÁUDIA
LAITANO
Avinagrou
Muito
antes de pensar em ter filhos, eu costumava me perguntar o que, no
comportamento deles, poderia me parecer incompreensível. Por trás desse
exercício aparentemente inocente de futurologia, havia uma boa dose de
arrogância.
No
fundo, eu estava convencida de que a civilização havia chegado a alguma espécie
de zênite com a minha geração. Se dependesse de nós, o chamado “conflito de
gerações” estava a caminho da extinção. No futuro, dançaríamos todos na mesma
balada, ouvindo as mesmas músicas e vestindo o mesmo jeans azul e desbotado (o
que, de certa forma, acabou acontecendo mesmo).
Mesmo
lá, na torre mais alta do castelo da minha ingenuidade, eu avistava um limite
para o horizonte da minha aceitação incondicional de modos de vida diferentes
do meu: a violência. Tudo bem espetar alfinetes no próprio nariz, tocar
berimbau para ganhar a vida ou ser contra- tudo-isso-que-está-aí, desde que
ninguém saísse machucado por pensar de forma diferente.
Trinta
anos e uma filha depois, minha ilusão de tolerância e compreensão infinitas das
novas gerações foi substituída pela disposição, bem mais modesta, para
reconhecer que novas circunstâncias geram novas sensibilidades e novas formas
de pensar. A violência, porém, continua inegociável. Bateu, quebrou? Perca
todos os pontos e volte para o início da jogada.
Por
uma coincidência quase mística, o sociólogo Manuel Castells esteve no Brasil na
mesma semana das manifestações contra o aumento das passagens em São Paulo,
Porto Alegre e outras capitais. Na noite de segunda-feira, Castells fez uma das
melhores palestras de todas as edições do Fronteiras do Pensamento até aqui,
não apenas pela simpatia, mas pela lucidez com que analisou eventos que são
ainda muito recentes para serem completamente entendidos pela sociedade
(governos, imprensa, pais e toda a torcida do Flamengo aí incluídos).
Castells,
71 anos, acredita que os movimentos sociais em ebulição no mundo todo hoje
anunciam um novo modo de atuação política, com padrões comuns e uma dinâmica
própria: descentralização de lideranças, ausência de uma pauta única de
reivindicações e uso da internet como trampolim virtual para a reunião em
locais públicos. No que isso vai dar, ninguém sabe ainda, mas quem tentar
encaixar as atuais manifestações em modelos já conhecidos corre o risco de
deixar escapar a parte mais interessante do enredo desta ópera.
Boa
parte da garotada, em São Paulo como em Porto Alegre, condena as depredações.
Para uma parcela dos manifestantes, porém, a violência é um recurso legítimo
para chamar a atenção. No fim das contas, o quebra-quebra acaba funcionando
como uma enorme cortina de fumaça que apenas confunde e atrasa o debate: em vez
de discutir os problemas do transporte público, o que se fez esta semana foi
contar feridos, calcular prejuízos e buscar culpados.
A
violência é sempre caótica, incontrolável, anticivilizatória, venha de onde
vier. Mas é preciso reconhecer que ela se torna muito mais ameaçadora quando
parte justamente do lado que deveria ter sido treinado para lidar com
manifestações públicas de forma a acalmar os ânimos mais exaltados – e não o
contrário.
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