MARCELO
MITERHOF
Prostituição legal
Sobre
turismo sexual, uma prostituta me disse: 'Hotel ganha dinheiro com turismo,
bar, garçom. E eu não posso?'
Há alguns
anos fui assistir no festival de cinema do Rio o documentário "Mulheres
Sem Piedade", do diretor alemão Lukas Roegler, que conta a história de
nigerianas forçadas a se prostituir na Europa.
De
distintivo, há a constatação de que a rede mafiosa é chefiada por mulheres e a
forma de coerção: um pacto de sangue feito ainda na Nigéria entre as mulheres
traficadas e um mestre de vodu.
O
filme foi bom ao mostrar como uma crença pode moldar as atitudes humanas e que é
possível romper com isso. Mas o melhor veio no debate após a sessão.
Após
a exposição do diretor, foi a vez de Gabriela Leite, puta e ativista política,
que destacou a dificuldade de compreensão acerca da prostituição, expressa, por
exemplo, no combate ao turismo sexual, dizendo algo como: "Se hotel ganha
dinheiro com turismo, botequim, garçom e tanta mais gente ganham dinheiro com o
turismo, por que puta não pode fazer o mesmo?".
Da
plateia, houve a fala de um antropólogo --holandês, creio--, destacando que
entre as pessoas que conhece e com quem faz sua pesquisa sobre prostituição em
Copacabana, seria possível encontrar cinco que foram vítimas de tráfico humano
para fazer um filme parecido ao que tinha sido apresentado pouco antes.
Entretanto,
por mais terrível que isso seja, não discute o mais importante: a prostituição é
predominantemente uma atividade livre e feita por pessoas adultas.
Não
tenho restrição moral contra a prostituição, pois adultos devem poder decidir
livremente em que condições querem fazer sexo. Mas a situação de pobreza que
força mulheres a se prostituírem me fazia vê-las apenas como vítimas. Esse
debate mudou minha opinião: é preciso regulamentar o exercício da profissão.
Afinal,
ela é um jeito legítimo de buscar uma atividade mais rentável e autônoma. Mas
mantê-la no gueto, submetida à violência da polícia --no Brasil, prostituição não
é crime, mas é possível enquadrá-la como ato obsceno ou atentado ao pudor-- ou
de seus "protetores", prejudica demais a vida desses profissionais.
O
regramento, como usual quando o Estado intervém nas vidas privadas, deve ser
parcimonioso: é razoável, por exemplo, exigir exames médicos regulares e
definir espaços nas ruas para a prática do "trottoir".
Claro,
a prostituição infantil e o tráfico humano devem continuar sendo um crime grave.
Porém, é preciso legalizar o agenciamento e os bordéis. Não há razão para
proibir práticas comuns de mercado, como a intermediação comercial e a provisão
de infraestrutura para um serviço, se elas são feitas livremente.
Não é
fácil garantir uma liberdade individual se a maioria é contra, em especial
quando há grupos politicamente ativos, como os religiosos. Esse é um conflito
intrínseco à democracia, mas é preciso achar um jeito de priorizar os direitos
civis.
Nesse
sentido, foi alvissareiro ver o médico infectologista Dirceu Greco, ex-diretor
do departamento de DST do Ministério da Saúde, no programa "Entre Aspas",
da Globonews.
Greco
foi sereno ao dizer que é uma vitória ter trazido a discussão à tona, mesmo
isso tendo levado à sua demissão. Além disso, se contrapôs ao conservadorismo,
que não se limita aos grupos religiosos, mas em alguma medida também existe em
parte do movimento feminista.
Presente
no mesmo programa, a socióloga e especialista em gênero Rosana Schwartz mostrou
certo desconforto com a frase da campanha que detonou a polêmica --"eu sou
feliz sendo prostituta"--, alegando que suas pesquisas apontam que apenas 5%
ou 6% delas seriam felizes com sua profissão.
Rosana
prefere que tivesse sido usada outra frase, que enfatizasse a necessidade de se
proteger.
Greco
lembrou que as frases da campanha são de prostitutas e que havia mais de uma
sobre a proteção, como: "Eu não posso ficar sem a camisinha, meu amor".
Ele
também destacou que a felicidade não está (necessariamente, acrescento eu) na
profissão em si, mas em poder ser feliz, mesmo ganhando a vida de um jeito difícil,
como em muitas outras profissões.
Ninguém
precisa gostar da prostituição, mas o mundo fica melhor se tentamos entender as
razões alheias. Nesse sentido, sugiro a leitura do livro de Gabriela Leite "Filha,
Mãe, Avó e Puta".
marcelo.miterhof@gmail.com
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