27
de junho de 2013 | N° 17474
L.
F. VERISSIMO
Cadê o De
Gaulle?
O
Journal du Dimanche de Paris do último domingo trazia uma entrevista com Daniel
Cohn-Bendit, um dos líderes da sublevação popular que quase derrubou o governo
francês em maio de 1968 e que continua atuando, como ativista e analista
político, com o nome que conquistou naquela primavera. Não é mais o irreverente
Dani Vermelho de 45 anos atrás, mas ainda é o remanescente mais notório daquela
geração que fez o então presidente De Gaulle pensar em largar tudo e se mandar.
Só
mais tarde ficou-se sabendo como o velho general chegara mesmo perto de
renunciar. De Gaulle não era a única causa da revolta que começou com os
estudantes e empolgou Paris, mas era um símbolo de tudo que os revoltosos não
queriam mais. Se maio de 68 não sabia definir bem seus objetivos, pelo menos
tinha um ícone vivo contra o qual concentrar seu fogo. Um conveniente símbolo
com dois metros de altura, um nariz dominador e a empáfia correspondente.
A
chamada de capa para a entrevista de Cohn-Bendit era “Um perfume de Maio de
68”, e a matéria fazia uma comparação mais ou menos óbvia do que acontece no
Brasil com o que acontece na Turquia e o que aconteceu nas recentes
“primaveras” árabes e em 68 em Paris. Óbvia e inexata. Nos países árabes, a rua
derrubou ditadores, na Turquia a revolta é, em parte, contra um governo
autocrático e inclui, como complicador, a luta antiga pela hegemonia religiosa.
E,
diferente do maio de Paris, a combustão instantânea no Brasil ainda não
produziu seus cohn-bendits nem tem um de gaulle conveniente como um símbolo que
resuma o que se é contra. Ser contra tudo que está errado despersonaliza o
protesto. Qual é a cara de tudo que está errado? No Brasil, tanta coisa está
errada há tanto tempo, que qualquer figura, atual ou histórica, serve como
símbolo da nossa desarrumação intolerável, na falta de um De Gaulle, Renan Calheiros
ou Pedro Álvares Cabral.
Na
sua entrevista, forçando um pouco a cronologia, Cohn-Bendit diz que 68 foi o
preâmbulo de 81, quando a esquerda chegou ao poder na França. Junho de 2013
será o preâmbulo de exatamente o que, no Brasil? Aqui, a esquerda, ou algo que
se define como tal, já está no poder. O que vem agora? O Marx tem uma frase: se
uma nação inteira pudesse sentir vergonha, seria como um leão preparando seu
bote. Uma nação envergonhada dos seus políticos e das suas mazelas está inteira
nas ruas. Resta saber para que lado será o bote desse leão.
Tempos
interessantes, tempos interessantes.
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