FERREIRA
GULLAR
A vez do povo desorganizado
Os
políticos se tornaram uma casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio
benefício
As
manifestações de protesto ocorridas nas últimas semanas em numerosas cidades
brasileiras são, sem sombra de dúvida, um fenômeno novo na vida política do país,
nos últimos 20 anos.
Causou
surpresa a muita gente --inclusive a mim-- que o aumento de R$ 0,20 nas tarifas
de transporte urbano tenha provocado tamanha revolta e mobilizado tanta gente.
É que
essas manifestações traziam consigo outras motivações que não se revelaram no
primeiro momento. Logo pôde-se ver que o aumento das tarifas foi apenas o
detonador de um descontentamento maior que põe em questão o próprio sistema político
que nos governa.
Ouvi
e li opiniões segundo as quais trata-se de um fenômeno internacional, uma vez
que, em vários países, protestos populares têm se repetido com frequência. Trata-se,
creio eu, de uma opinião equivocada, já que as razões desses protestos são
diferentes de país para país. O que há de comum neles é a influência das redes
sociais, que possibilitam mobilizações em tal escala.
No
caso do Brasil, por exemplo, está evidente que a revolta é contra os políticos
em geral, sejam de que partidos forem, pertençam ao governo ou à oposição. Isso
se tornou evidente em diversos momentos quando militantes deste ou daquele
partido tentaram se manifestar: foram vaiados e até espancados. Foi o caso do
PT que, oportunista como sempre, tentou tirar vantagem da situação e se deu mal.
Mas
de onde vem esse horror aos políticos? A resposta é óbvia: eles se tornaram uma
casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio benefício.
Essa
máquina, que é mantida com o dinheiro de impostos escorchantes, eles usam para
empregar seus parentes e companheiros de partido, para enriquecer a si e a seus
familiares, manipulando licitações e contratos de obras públicas --e usam isso,
sobretudo, para se manter no poder.
Essa
situação tornou-se particularmente insuportável depois que Lula assumiu o
governo e pôs em prática uma política populista que veio agravar ainda mais
aqueles fatores negativos da vida política brasileira. Quem nele acreditava viu,
decepcionado, que ele ignorou os compromissos éticos assumidos e aliou-se a
figuras como Maluf e o bispo Macedo --sem falar na compra, com dinheiro público,
de partidos corruptos.
Essa
aliança, com o submundo político, de um líder que surgiu como uma esperança de
renovação, só poderia conduzir as pessoas em geral --e particularmente os que
confiaram nele-- à desesperança total quanto ao futuro da nação.
O
mais grave é que, somando-se isso à política assistencialista que adotou,
tornou-se eleitoralmente imbatível. Assim, sem outra saída, os inconformados
foram para as ruas. Nessa rejeição ao poder constituído e aos políticos em
geral, o povo descontente pode não saber ainda por onde vai, mas sabe por onde
não vai.
Não
por acaso, a maioria desses manifestantes é de classe média. Não foram os
pobres dos subúrbios que vieram para as ruas protestar, pois recebem Bolsa Família
e melhoraram de vida. Quem está insatisfeita e revoltada é a parte da sociedade
que só perdeu com o populismo lulista, uma vez que o dinheiro público, em lugar
de ser investido em hospitais, escolas e serviços públicos, foi e é usado em
programas assistencialistas e demagógicos.
Por
outro lado, o lulismo cooptou as entidades representativas dos trabalhadores e
dos estudantes (a CUT e a UNE), que, contrariamente a suas origens e à sua história,
agora impedem manifestações contrárias ao governo. Desse modo, tanto os
trabalhadores quanto os estudantes não têm quem os represente na luta por suas
reivindicações.
Por
isso, meses atrás, afirmei nesta coluna que a única solução possível seria o
povo desorganizado ir para as ruas, já que não conta com as organizações que
deveriam representá-lo. É o que acontece agora: o povo desorganizado está nas
ruas. Desmascarada, a CUT tentou juntar-se aos manifestantes, mas foi repelida
por eles.
Sem
alternativa, a presidente Dilma promoveu uma reunião com governadores e
prefeitos para aparecer como porta-voz dos inconformados, e propôs medidas que
não se sabe quando nem se serão mesmo postas em prática
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