19
de junho de 2013 | N° 17466
VOZES
E CARTAZES
Um protesto, mil
razões
As
reivindicações dos manifestantes que tomaram as ruas da Capital não se resumem
a uma ou duas. São muitas e podem ser percebidas em palavras de ordem e
cartazes. É o que conta o repórter de Zero Hora que acompanhou de perto a
passeata de segunda-feira.
Sentados
no calçamento do Paço Municipal, às 17h de segunda-feira, os primeiros a chegar
para a manifestação estendem no piso as folhas de cartolina e hesitam,
pensativos. É o momento de explicitar, com tinta ou pincel atômico, por que
estão ali e o que querem.
Aos
poucos, as palavras vão ganhando contornos no papel, e cada novo cartaz erguido
alarga a pauta de reivindicações e revela os motivos para o descontentamento. A
tarifa de ônibus é só um, entre tantos: “Não são só R$ 0,20”, esclarece, em uma
simples folha de ofício, um ativista de flor na boca. Os manifestantes são
quase todos muito jovens.
Quando
o país tomou as ruas pela última vez, para derrubar Fernando Collor, não eram
nascidos ou ainda ensaiavam os primeiros passos. Mas alguns pegam emprestadas
as palavras popularizadas em outra era, quando o país sofria sob a ditadura
militar. Che Guevara (“Hasta la victoria siempre”), Chico Buarque (“Afasta de
mim esse cálice”) e Geraldo Vandré (“Quem sabe faz a hora, não espera
acontecer”) se transformam de novo em porta-vozes de uma geração.
Em
muitos outros cartazes, a insatisfação expressa à tinta é a de quem não se
sente representado, seja por governos, tribunais, partidos, sindicatos ou meios
de comunicação. O conteúdo dessas folhas de cartolina e papelão erguidas para o
alto – e usado para intercalar os textos deste relato sobre o que foi visto e
ouvido no protesto em Porto Alegre – oferece esse testemunho.
SAÚDE
(X), EDUCAÇÃO (X), TRANSPORTE (X)
Às
17h15min, um ciclista de barba e cabelos compridos aparece, bandeira do Brasil
atada ao pescoço.
–
Todos deveriam usar a bandeira, para o mundo ver. Tem uns que são anarquistas,
que não a respeitam – critica.
Perto
dele, desfila de um lado a outro um rapaz vestido de preto dos pés à cabeça,
com capacete e máscara sobre o rosto. Um dos 14 guardas municipais que fazem a
segurança da prefeitura saca o celular e passa a captar imagens do
manifestante. Ele responde na mesma moeda: desembolsa uma câmera e filma o
agente.
É
aplaudido.
SENHOR
GOVERNADOR, CADÊ O RESPEITO?
O
rapaz usando máscara e capacete se aproxima de um pequeno grupo com aparência
hippie.
– Ô,
cara, tu estás muito armado – comenta uma adolescente com a cara pintada de
verde e amarelo.
–
Pensa que está em São Paulo? – questiona outra.
Quando
ele remove a máscara, revela-se o rosto nada assustador de um jovem de
bochechas coradas e barba clara bem aparada.
BRIGADIANO
TAMBÉMÉ EXPLORADO
O
Paço Municipal começa a encher de manifestantes quando uma garota comenta com
um rapaz:
– As
pessoas roubam, matam, e não aparece polícia. A polícia só vem contra os
manifestantes.
–
Tem de entender que a polícia é um instrumento de repressão do povo. Mas agora
não tem jeito, porque a internet bombou de uma forma... O problema é que na
quinta-feira dispersou demais.
–
Essa dispersão é que não pode acontecer hoje – defende a garota.
– Eu
faço Ciências Sociais. Tive de dizer: “Professora, lamento, mas hoje não vai
dar. Está acontecendo uma coisa que talvez não vá acontecer nunca mais”.
O
universitário se interrompe para conferir o celular e fazer um anúncio de forma
entusiasmada:
–
Meu Deus! Um amigo está vindo com mais 10 pessoas!
FAÇA
AQUI OSEU CARTAZ. GRÁTIS
–
São Paulo inteira na rua, não é, velho? – comemora um jovem, encontrando o
amigo.
Então,
exibe os dizeres em seus cartaz:
– O
que tu achas?
–
Massa! – avalia o outro.
Do
lado, já espremida pela multidão, uma manifestante desabafa ao namorado:
– Se
eu tivesse cartolina, também escrevia. Acho muito legal o que está acontecendo.
Os jovens estavam muito acomodados. Agora, não. Espero que todo mundo que veio
aqui esteja pensando em um futuro melhor. Porque tem gente que aparece só para
se promover.
O
diálogo termina em beijo.
NENHUM
PARTIDO ME REPRESENTA
Pouco
antes das 18h, horário marcado para o protesto, chegam dois agrupamentos
partidários, com suas bandeiras, tentando se inserir no movimento: integrantes
do PSTU e do PSOL. Durante toda a noite, terão de suportar o mesmo slogan,
entoado pelas milhares de vozes que os cercam:
–
Sem partido! Sem partido! Sem partido!
CONSTITUIÇÃO
FEDERAL FIFA
Ao
lado da Fonte Talavera, uma roda reúne três rapazes e uma garota.
–
Não sou contra Copa. Não sou contra nada. Mas do jeito que fizeram... – diz um
dos jovens.
–
... é, esse monte de estádios – completa um amigo.
– O
problema aqui é que tem muito protesto junto, muita coisa.
–
Mas é válido. É um momento histórico. Tem de participar.
–
Pois é. Mas a mídia não divulga nada.
–
Divulga, sim – contesta a garota.
–
Mas o histórico é esse acompanhamento vivo, não-tendencioso, feito pela
internet – devolve um manifestante.
– É,
a internet – concordam todos.
NÃO
FALTAM MOTIVOS PARA PROTESTAR
Pouco
depois das 18h, os manifestantes começam a gritar suas palavras de ordem, de
frente para o prédio da prefeitura. O coro vem alternadamente de diferentes
lados da praça e manifesta os variados pontos de vista ali reunidos:
–
Um, dois, três, quatro, cinco mil! Abaixa a passagem ou paramos o Brasil!
– Da
Copa eu abro mão! Queremos é dinheiro para saúde e educação!
–
Prefeito, elite, o povo te demite!
– O
povo, unido, governa sem partido!
QUANDO
SEU FILHOFICAR DOENTE...
Por
entre os grupos, um rapaz circula, propagandeando com panfletos uma das
múltiplas causas da noite. Seu folheto divulga uma caminhada em defesa da queda
do presidente da CBF, José Maria Marin, de um novo modelo de campeonato gaúcho
e de ingressos mais baratos no Gauchão.
– O
presidente da CBF é o cara que está fazendo a Copa. É uma roubalheira. Por
isso, estamos convidando para um movimento contra ele – explica, para um trio
de garotas adolescentes.
–
Minha mãe nem queria que eu estivesse aqui – desculpa-se uma das meninas.
–
Bom, estou divulgando para vocês. – Parabéns – elogia a garota.
Vendo
que o diálogo é observado e registrado, o manifestante faz um apelo:
– Só
peço que você fale bem da manifestação no jornal. Tem uns caras que exageram,
mas a maioria é da paz.
DILMA,
PARA QUE TANTO IMPOSTO?
Uma
jovem chega, abraça o amigo, e avisa:
–
Não vou poder ficar muito. Só vim dar uma passadinha.
O
clima geral é de orgulho. Há um sentimento de entusiasmo, de estar em massa na
rua para exigir alguma coisa. Muitos pedem para ser fotografados pelos amigos
na condição de manifestantes. O rapaz diz à amiga:
–
Estava olhando a internet e tinha 240 mil confirmações de presença. E a Dilma
não se pronuncia.
– Se
ela não se pronunciar, a situação só vai piorar.
–
Legal é que aconteceu bem na Copa das Confederações.
–
Demais, não é? Dá visibilidade.
NÃO
À PEC 37
Às
19h, a massa começa a se mover Borges de Medeiros acima. Uma mulher arrisca sua
interpretação:
–
Sarney, mensalão. Acho que foi tudo se acumulando.
– É.
E esse monte de estádios. Tem de ir para a rua – diz uma amiga.
Ao
longa da Borges e da Salgado Filho, a multidão recebe o apoio de quem está nos
prédios. Quando atingem um ponto mais alto da Borges ou mais baixo da Salgado
Filho e conseguem ver a massa a espraiar-se por centenas de metros, os
participantes se emocionam, se abraçam, parecem a ponto de chorar.
–
Meus Deus! Tem muita gente.
DE
UM LADO ESTE CARNAVAL, DO OUTRO...
Um
novo tipo de manifestante começa a ganhar protagonismo quando a marcha ingressa
na Avenida João Pessoa. Eles escondem o rosto debaixo de máscara e panos,
empunham pedras e pedaços de paus e tomam a dianteira da caminhada. Picham,
quebram, incendeiam e explodem, para revolta dos que vêm logo atrás e tentam
impedi-los.
As
depredações culminam no cruzamento das avenidas Azenha e Ipiranga, onde o
punhado de arruaceiros depreda uma revenda de motos, dando origem a uma
violenta reação da Brigada Militar, que transformou Porto Alegre em campo de
batalha.
–
Vandalismo é anti-imperialismo – bradam.
É um
momento de desilusão para muitos dos que foram às ruas:
–
Aqui o protesto perdeu a razão – diz uma garota.
–
Vocês estragaram tudo, seus ignorantes.
As
duas têm lágrimas nos olhos.
ITAMAR
MELO
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