22
de junho de 2013 | N° 17469
CLÁUDIA
LAITANO
Indignação
customizada
Em
junho de 2013, todo brasileiro é um analista político, um estrategista, um
indignado – à esquerda, à direita e contra tudo isso que está aí.
Alguém
disse que as ruas se tornaram a materialização da caixa de comentários. Não há
qualquer moderador distinguindo o que é expressão de um anseio coletivo legítimo
do que é manifestação de uma difusa insatisfação pessoal – ou apenas raiva
represada em busca de um Judas para malhar. Cada um é o moderador do que faz e
do que pensa e tem a opção de abandonar-se, ou não, à sedução do efeito manada
e à inebriante sensação de que a multidão, apenas por ser multidão, carrega uma
inteligência própria e autônoma.
As
manifestações de 2013 revelaram-se uma enorme passarela de indignações
customizadas, como cai bem à nossa época tão sensível às demandas individuais.
Cada manifestante escolhe as causas que mais o representam (o cardápio de
ofertas, vamos combinar, é pródigo) e as formas de expressão que considera mais
adequadas: na paz ou nem tanto. Pensando nisso, montei a minha lista básica (e
pacífica) de reivindicações prioritárias com slogan e tudo, para facilitar a
confecção de cartazes:
1)
Chega de brincar com a educação
Lutar
por uma educação de qualidade deveria ser a mãe de todas as causas. Abandonar o
ensino básico é como esquecer que a camada pré-sal está lá embaixo, cheia de
riquezas inexploradas. Se continuarmos adotando o modo Scarlett O’Hara de
resolução de problemas (“Amanhã eu penso nisso”), estamos condenados a
aprofundar ainda mais a desigualdade e a injustiça do país.
O
enorme contingente de analfabetos funcionais despejados todos os anos na vida
adulta e no mercado de trabalho contribui para que a nossa imperfeita
democracia tenha tanta dificuldade de livrar-se do seu histórico clientelismo
político.
2)
Tenha fé no Estado laico
É
preciso ter tolerância zero ao fanatismo, ao retrocesso, aos projetos
estapafúrdios que ocupam o tempo que deveria estar sendo usado para encaminhar
pautas políticas reais em vez de factoides criados por grupos que se aproveitam
da desarticulação dos adversários. Que temas como os direitos dos homossexuais
e a legalização do aborto encontrem defensores no Congresso tão veementes e
articulados quanto os que representam grupos religiosos. Pra frente é que se
anda.
3)
Por uma terapia cura-covardia
A
violência contra a mulher tornou-se uma epidemia mundial. Os resultados do
primeiro levantamento global sobre violência doméstica foram divulgados esta
semana em duas publicações científicas. Os números são impressionantes.
Três
em cada 10 mulheres do mundo já foram agredidas, espancadas ou ameaçadas por um
parceiro. Perto de uma em cada 10 já sofreu violência sexual. Entre as mulheres
que são assassinadas, uma em cada três foi morta pelo companheiro ou ex. É
assustador calcular o quanto um país tão grande e tão violento quanto o Brasil
contribuiu para elevar esses números.
Cá
entre nós: podemos apenas imaginar o que um sujeito que manifesta seu
descontentamento com a situação do país dando uma voadora em uma porta ou
jogando um tijolo em uma vidraça faz, em casa, quando a mulher diz que não quer
mais saber dele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário