23
de junho de 2013 | N° 17470
ARTIGOS
-Flávio Tavares*
Recado aos surdos
O
mudo recuperou a voz e grita aos ouvidos do surdo eis a síntese do histórico 20
de junho. Desde as manifestações dos anos 1967-68-69 contra a ditadura militar,
nada foi tão espontâneo e autêntico quanto os protestos em que o aumento das
tarifas de transporte foi só o detonante de uma explosão maior e até grandiosa.
Nem a campanha das Diretas Já, de 1984, ou o Fora Collor, de 1992, se equiparam
à revolta pacífica atual.
Nas
Diretas, parte do poder político e dos partidos comandava tudo, com os
governadores de São Paulo, Rio e Minas (Montoro, Brizola e Tancredo) à frente. No
Fora Collor, a ideia inicial veio da imprensa, dos partidos e do parlamento. Agora,
é como se a energia de 1968 ressuscitasse, cansada dos embusteiros que (na
democracia) se apossaram da política e do poder.
Moças
e moços de 20 anos iniciaram tudo. Não contaminados nem corroídos pelo poder
político ou econômico, identificaram a falsidade. Longe do conluio “política
& negócios” que rege o poder entre nós, definiram-se pelos cartazes das
passeatas – contra a corrupção, a mentira, a orgia de gastos em estádios, a
Fifa mandando nas cidades, o descaso pela saúde e educação! E contra a imoral
PEC 37.
Mesmo
assediados pelos badulaques do consumo, os jovens não perderam o tino. Enxotaram
das passeatas as bandeiras dos partidos políticos, na melhor mostra do
desencanto atual. Dirigidos por oportunistas que prostituíram a política, os
partidos têm se interessado apenas em táticas para captar votos.
Desde
que o conluio PT-PMDB (com sua ampla “base alugada”) assumiu o poder, diluíram-se
os movimentos sociais. As centrais sindicais, cooptadas. A UNE não representa
os estudantes. Os partidos tornam-se degraus para negociar ministérios e
empresas estatais, num derrame geral de corrupção.
Querem
nos fazer fantoches, bonequinhos que falam e pulam, manipulados detrás duma
parede?
Num
desafio a essa impostura, jovens e não jovens saíram às ruas em centenas de
grandes ou pequenas cidades, convocados uns aos outros pela internet. A
espontaneidade mostra a falência das estruturas formais, que já nada
representam. Senadores, deputados, vereadores, prefeitos, governadores e a própria
presidente da República, ausentes de tudo – atônitos, isolados nas salas do
poder em que tudo é artificial. Até o ar.
Vivemos
o absurdo de que é preciso sair à rua para que o poder político “aceite
dialogar e debater” com quem o elegeu. Na onda espontânea, a boçalidade da polícia
de São Paulo (que, entre outras proezas, quase deixou cega uma jornalista) transformou
o protesto num movimento nacional muito além dos 20 centavos das passagens. E a
rua vomitou a indignação geral!
E os
vândalos que saqueiam comércios ou destroem prédios públicos? Eles não são
manifestantes, apenas marginais, como os que nos estádios (ou nos velórios e enterros)
batem carteiras e roubam. Aproveitam-se da situação, imitando os políticos
corruptos.
Ninguém
melhor do que a presidente Dilma explicou o sentido dos protestos: “A mensagem
direta das ruas é para influir nas decisões dos governos, em repúdio à corrupção
e ao uso indevido do dinheiro público”, disse em Brasília, na solenidade de lançamento
do marco regulatório da mineração. Os mais eminentes figurões da corrupção, ali
presentes, aplaudiram, fingindo que não era com eles. Ela própria mais parecia
a jovem coerente de 1968-69 e não a presidente da República, que entendeu o
recado das ruas.
Agora
que o povo mudo recuperou a voz, resta esperar que Dilma se liberte dos surdos –
dos cortesãos alugados que fingem tudo, até a surdez. Será o caminho para que o
grito de agora reconstrua o que a mentira destruiu!
*JORNALISTA
E ESCRITOR
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