25
de junho de 2013 | N° 17472
DAVID
COIMBRA
Ele gosta de
amarelo
João
Francisco é um amiguinho do meu filho Bernardo. Os dois têm cinco anos. Outro
dia, João Francisco foi apresentá-lo a alguns meninos que ele não conhecia e o
fez assim:
–
Este é o Bernardo Coimbra. Ele gosta de amarelo.
Achei
inteligente essa forma de apresentação. João Francisco disse o essencial a
respeito do Bernardo. Ele gosta de amarelo. A partir dessa informação, os
outros meninos já ficaram sabendo que, entre todas as flores, o Bernardo
prefere o girassol; que, quando forem brincar, o Bernardo quererá o carro
amarelo, o lápis amarelo, a bola amarela; que o Bernardo provavelmente será um
torcedor carinhoso da Seleção Brasileira.
Ele
gosta de amarelo. Importante saber.
Os
cariocas também gostam de amarelo. Torcem pela Seleção Brasileira com devoção
que gaúcho nenhum tem. Nos dias de jogos, amontoam-se de pé em frente às TVs
dos bares, assistem às partidas com angustiada atenção e, quando o Brasil marca
um gol, pulam, gritam, fazem buzinaço.
Eu,
se for contar para um estrangeiro que pela primeira vez chega ao Rio como são
os cariocas, direi com convicção:
–
Estes são os cariocas. Eles gostam de amarelo.
Seria
interessante se apresentássemos as pessoas revelando-lhes o essencial já no
primeiro contato. Nada de profissão, posição social ou filiação. Só o mais
importante.
–
Este é o Eduardo. Não fala muito, mas é bondoso como uma irmãzinha. Ele gosta
de cerveja.
–
Este é o Juninho. Você não vai encontrar alguém mais atencioso e prestativo.
Ele gosta de cerveja.
–
Este é o Ivan. Tem o hábito de ir embora dos bares mais cedo. É um amigo fiel.
Ele gosta de cerveja.
–
Este é o Rodrigo. Você sempre pode contar com ele. É uma pessoa sensata e
inteligente. Ele gosta de cerveja.
–
Este é o Amilton. Um cara que se preocupa com os amigos. Ele gosta de cerveja.
–
Este é o Jorge. Está sempre de bem com a vida. Ele gosta de cerveja.
–
Estes, nesta mesa, são o Cabeça, o Admar e o André. Diferentes uns dos outros,
mas todos são generosos e bons amigos. E todos gostam de cerveja.
–
Aquele lá, de mau humor, eu mal conheço. Ele não gosta de cerveja.
Sarra
para direita
O
táxi vinha rodando devagar pela Avenida Atlântica, como um animal nos últimos
dias de vida, alcançando o limite de suas forças. Era um táxi velho. Quase
propus ao Gabardo que esperássemos por outro carro, mas aí o táxi já parou e
nós já entramos. O motorista também era velho. Acho que tinha bigode. Seguimos
rodando lentamente, todos os outros carros passavam por nós.
Na
altura da Vieira Souto, no esplendor de Ipanema, o carro parou sob um semáforo
e, então, sem nenhum aviso prévio, o motorista sacou um CD de um envelope
plástico e anunciou num grito de júbilo:
– É
o funk! Vou botar um funk!
Não
nos perguntava se queríamos funk, tratava-se de uma comemoração. Ele
simplesmente colocou o CD no som do painel e aumentou o volume.
– Eu
sou do funk! – gritava. – Eu sou da guerra! Vamo expulsar essa presidente! Vamo
expulsar!
E
começou a cantar, acompanhando a letra: – Sarra pra direita! Sarra pra
esquerda! Sarra pra direita! Sarra pra esquerda!
Eu e
o Gabardo nos olhamos, surpresos. Entenderia se o homem gostasse de bolero, mas
ele e o carro não combinavam com funk. – As garotinhas adoram! – vibrava. –
Adoram! Sarra pra direita! Sarra pra esquerda!
Aproximei-me
do encosto do banco dele e perguntei: – O que é sarra? – Sarra? Sarra??? Não
sabe o que é sarra??? Sarra é se esfregar nelas! É passar a mão nelas! Sarra
pra direita! Sarra pra esquerda! Sarra pra direita! Sarra pra esquerda!
Fiquei
com o funk retumbando na cabeça o resto do fim de semana.
ENVIADO
ESPECIAL/RIO
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