17
de junho de 2013 | N° 17464
LUIZ
ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Scliar e o Rio Grande
O
Rio Grande do Sul é, desde suas primeiras representações simbólicas, uma
metáfora e uma alegoria intelectuais que se organizam a partir da evocação de
um antigo tipo luso-platino-rural, que acabou por suplantar as outras vertentes
constitutivas de sua presente identidade.
Como
qualquer construção validada pelos extratos dominantes, essa alegoria teve, até
pouco, sua hegemonia incontestada, havendo raro espaço de diálogo com outras
representações concomitantes, nomeadamente as que decorrem dos surtos
imigratórios dos séculos 19 e 20.
Nesse
conjunto de fatores superpostos – e, não raro, conflitantes –, a obra de Moacyr
Scliar avulta por ser aquela que optou por uma via alternativa que instituiu
entre nós uma reflexão a que não estávamos acostumados: a de que somos humanos,
antes de gaúchos.
Alguma
crítica por vezes diz que o componente judaico seja a face mais visível e
representativa de sua obra; trata-se, esta, de uma visão pobre, porque, antes
de tudo, Scliar traz para nossa literatura uma via inesperada que aparece não
como contraponto, mas como justaposição ao tipo hegemônico. Ambas são
perspectivas construídas e, por isso, habitam a mesma legitimidade.
Outro
viés referido pela crítica como essencial é o veio fantástico de seus romances,
novelas e contos. Na verdade, trata-se de outra dicção para a mesma
universalidade. Se nosso fantástico está presente já desde Lendas do Sul, este
mesmo fantástico é um dado previsto pela cultura e pela mitologia; já o
fantástico de Scliar é criação pura, isto é, provém de uma fabulação exclusiva
e que não se confunde com qualquer outra preexistente mitologia.
Essas
duas circunstâncias temáticas de Scliar – a judaica e a fantástica –
significam, no cerne, o alargamento ontológico de uma literatura que se debatia
entre seus que-fazeres irremediáveis e miúdos, vítima da estéril dicotomia
pampa-cidade.
A
obra de Scliar talvez seja a mais feliz investida nos domínios de uma
universalidade moderna, embora tardia em termos regionais, e que precisou desse
escritor de exceção para impor-se como possibilidade estética.
O
constructo intelectual que é o Rio Grande, dessa forma, adquirirá, de agora em
diante, uma obrigatória nuança, não a desfazê-lo, mas a matizá-lo. Com isso
ganha-se em colorido e diversidade, até que outras obras surjam a transformar
esse quadro pois, como sabemos, a cultura e a literatura se definem como
processo que estará sempre descontruindo o que antes construiu.
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