quarta-feira, 12 de junho de 2013

ANTONIO PRATA

Entre ou saia

Rapazes de saia e moças de gravata devem permanecer escondidos, na calada da noite, não em bairros familiares

Li anteontem, aqui na Folha: sexta-feira passada, um aluno apareceu de saia no Bandeirantes, foi proibido de assistir às aulas e mandado de volta pra casa. O diretor da escola, Mauro de Salles Aguiar, disse à repórter Juliana Gragnani que a atitude visava proteger o estudante: "É altamente irresponsável e leviano por parte dos pais expor o filho a esse laboratório de experiências sociais. Se eles não têm preocupação com a segurança, o colégio tem que ter".

Concordo em gênero, número e grau --principalmente em gênero, que é o que se discute aqui. Vejamos: se o mundo é machista e preconceituoso, qual é a função da escola? Ajudar os alunos a compreender e afirmar suas singularidades, mesmo que para isso desafiem os padrões e precisem mudá-los?

Óbvio que não: o papel da escola é ensiná-los a se adequar a este mundo machista e preconceituoso, entrar nos eixos para, no futuro, conseguir uma boa colocação profissional. Jamais incentivá-los a se expor a um "laboratório de experiências sociais" --pois basta pensar na revolução sexual, na luta pelos direitos civis, nos EUA, ou na mudança do papel da mulher durante o século 20 para saber que isso nunca acaba bem.

Há quem pense, equivocadamente, que a adolescência é uma fase de experimentação, época na qual consideramos diversos caminhos, comportamentos, indumentárias, questionamos nossas heranças familiares, sociais, culturais, rejeitamos o que não nos serve, descobrimos o que nos apraz e, assim, inventamos os adultos que queremos (e podemos) ser. Nada disso.

Como bem sabem os que não são "irresponsáveis" nem "levianos", adolescência é o período em que nos resignamos a aceitar as fôrmas pré-moldadas que aí estão: homem de calça, mulher de saia --e vamos nos concentrar na tabela periódica, pois o que realmente importa nesta vida é aprender que o xenônio é um gás nobre e que o número atômico do bário é 56.

"Um rapaz vestido de saia não é uma coisa que você espera ver na Vila Mariana, às dez e pouco da manhã", disse à repórter o diretor da escola, dando mais uma lição de pedagogia. Rapazes de saia, moças de gravata e outras esquisitices, caso existam, devem permanecer escondidos, na calada da noite, nos arrabaldes, não nos bairros familiares, à impoluta luz da manhã. "Ele não está numa galeria de arte.

Está numa escola." Perfeito: afinal, nada mais antagônico do que uma galeria de arte e uma escola, certo? Dentro dos muros da primeira, a experimentação, a subversão, a bagunça. Dentro dos muros da segunda, as certezas, a reafirmação da tradição, a ordem.

Quem disser que esta é uma visão antiquada da educação está redondamente enganado. É uma visão bem de acordo com os dias correntes.

Antiquada é aquela outra, criada há uns 2.500 anos, na Grécia, que colocava a dúvida como o princípio do saber, acreditando que só com o diálogo e com a confrontação das verdades estabelecidas se derrubariam os tapumes do senso comum, iluminando as sombras de objetos e de conceitos que tantas vezes tomamos pelos objetos e conceitos em si. Mas o que sabiam aqueles homens? Absolutamente nada --e a prova maior é que andavam todos de saia.


@antonioprata

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