ANTONIO
PRATA
Entre ou saia
Rapazes
de saia e moças de gravata devem permanecer escondidos, na calada da noite, não
em bairros familiares
Li
anteontem, aqui na Folha: sexta-feira passada, um aluno apareceu de saia no
Bandeirantes, foi proibido de assistir às aulas e mandado de volta pra casa. O
diretor da escola, Mauro de Salles Aguiar, disse à repórter Juliana Gragnani
que a atitude visava proteger o estudante: "É altamente irresponsável e
leviano por parte dos pais expor o filho a esse laboratório de experiências
sociais. Se eles não têm preocupação com a segurança, o colégio tem que ter".
Concordo
em gênero, número e grau --principalmente em gênero, que é o que se discute
aqui. Vejamos: se o mundo é machista e preconceituoso, qual é a função da
escola? Ajudar os alunos a compreender e afirmar suas singularidades, mesmo que
para isso desafiem os padrões e precisem mudá-los?
Óbvio
que não: o papel da escola é ensiná-los a se adequar a este mundo machista e
preconceituoso, entrar nos eixos para, no futuro, conseguir uma boa colocação
profissional. Jamais incentivá-los a se expor a um "laboratório de experiências
sociais" --pois basta pensar na revolução sexual, na luta pelos direitos
civis, nos EUA, ou na mudança do papel da mulher durante o século 20 para saber
que isso nunca acaba bem.
Há quem
pense, equivocadamente, que a adolescência é uma fase de experimentação, época
na qual consideramos diversos caminhos, comportamentos, indumentárias,
questionamos nossas heranças familiares, sociais, culturais, rejeitamos o que não
nos serve, descobrimos o que nos apraz e, assim, inventamos os adultos que
queremos (e podemos) ser. Nada disso.
Como
bem sabem os que não são "irresponsáveis" nem "levianos",
adolescência é o período em que nos resignamos a aceitar as fôrmas pré-moldadas
que aí estão: homem de calça, mulher de saia --e vamos nos concentrar na tabela
periódica, pois o que realmente importa nesta vida é aprender que o xenônio é um
gás nobre e que o número atômico do bário é 56.
"Um
rapaz vestido de saia não é uma coisa que você espera ver na Vila Mariana, às
dez e pouco da manhã", disse à repórter o diretor da escola, dando mais
uma lição de pedagogia. Rapazes de saia, moças de gravata e outras
esquisitices, caso existam, devem permanecer escondidos, na calada da noite,
nos arrabaldes, não nos bairros familiares, à impoluta luz da manhã. "Ele
não está numa galeria de arte.
Está
numa escola." Perfeito: afinal, nada mais antagônico do que uma galeria de
arte e uma escola, certo? Dentro dos muros da primeira, a experimentação, a
subversão, a bagunça. Dentro dos muros da segunda, as certezas, a reafirmação
da tradição, a ordem.
Quem
disser que esta é uma visão antiquada da educação está redondamente enganado. É
uma visão bem de acordo com os dias correntes.
Antiquada
é aquela outra, criada há uns 2.500 anos, na Grécia, que colocava a dúvida como
o princípio do saber, acreditando que só com o diálogo e com a confrontação das
verdades estabelecidas se derrubariam os tapumes do senso comum, iluminando as
sombras de objetos e de conceitos que tantas vezes tomamos pelos objetos e
conceitos em si. Mas o que sabiam aqueles homens? Absolutamente nada --e a
prova maior é que andavam todos de saia.
@antonioprata
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