21
de junho de 2013 | N° 17468
DAVID
COIMBRA
Falta espaço no
Brasil
Sinto
falta da dívida externa nessas manifestações. Houve um tempo em que todo mundo
falava da dívida externa. Existia até um cálculo de quanto cada brasileiro
devia já ao nascer. Nas manifestações de então, as pessoas carregavam faixas ou
pichavam as paredes com a frase clássica: “Fora FMI!”.
Tinha
uma mulher do FMI que vinha para cá. Ela usava tailleur e carregava uma pasta.
Era uma mulher muito séria. Obviamente, estava insatisfeita com o Brasil e se
reunia com os ministros e o presidente para fazer cobranças. Eu via fotos
daquela mulher sisuda nos jornais e ficava com raiva dos Estados Unidos.
Malditos ianques! O Briza é quem tinha razão quando falava dos interésses.
Lembro
de altruístas na faculdade que juravam que, se ficassem bilionários, pagariam a
dívida externa. Com o pagamento da dívida externa matariam o dragão da inflação
e a serpente do desemprego, e o Brasil estaria salvo. Aqueles meus colegas
devem ter ficado bilionários, porque a dívida externa se extinguiu como as
máquinas de escrever, o dragão da inflação virou lagartixa e a serpente do
desemprego agora é uma minhoca. Mas, que coisa, o Brasil ainda não foi salvo.
Hoje,
nas manifestações, ninguém mais reclama dos Estados Unidos, da dívida externa
ou do FMI. O inimigo não está mais no Exterior, embora continue no lado de fora
e acima do brasileiro: é o Estado, o sistema ou até a “grande mídia” e os
empresários.
Trata-se
de uma atitude muito saudável. Alivia a pressão psicológica interna. Se você
compra peças de carro roubadas, faz gato na TV a cabo, superfatura a nota,
sonega imposto ou fura a fila, você faz porque o patrão e o Estado o oprimem e
a grande mídia não denuncia.
Você
vive mal, a classe média vive mal. Não teria como viver bem: 80 milhões de
pessoas ascenderam de classe social no Brasil, nos últimos 10 anos. São 80
milhões se movimentando, como os hunos pressionando os germanos e os germanos
derrubando o Império Romano. Oitenta milhões ocupando um espaço que antes não
ocupavam.
O
Brasil foi feito para menos gente. Não há tantas estradas, médicos,
engenheiros, energia elétrica, pintores, pedreiros e água para tantos
consumidores. Falta estrutura para crescimento tão rápido, e quem deveria
prever a estrutura gastou em corrupção, inchaço da máquina pública, tudo o que
sabemos.
Quando
o menino cresce rápido, doem-lhe os ossos. Gera mal-estar.
O
mal-estar da classe média desbordou para as ruas. A vida está ruim e alguém
precisa resolver isso logo. Quem? Alguém que está do lado de fora e acima. É lá
que reside o Mal. Não mais nos Estados Unidos, não mais no FMI, talvez nos
gabinetes arejados do poder, talvez dentro dos carros com vidros escuros,
talvez até debaixo dos capacetes da polícia. Sabe-se lá. Mas isso tudo alguém
vai ter que resolver.
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