ELIANE
CANTANHÊDE
Insatisfação
BRASÍLIA
- Nas décadas de 1960 e 1970, secundaristas e universitários lutaram bravamente
contra uma ditadura e a favor de utopias sedutoras. Muitos morreram e foram
torturados quase ainda crianças.
Nos
anos 1980, novas gerações lutaram nas ruas pelas "diretas, já". E,
nos 1990, milhares pintaram a cara pelo impeachment de Collor. Mais do que
demolir um presidente indesejável, sonhavam edificar um país mais justo, mais
decente.
A
década de 2000 passou em branco. Inebriados pelo mito Lula e a miragem da
esquerda pura e ética, os movimentos acomodaram-se e a estudantada recolheu-se
à sala de aula. Utopias e sonhos coletivos cederam às ambições pessoais. O
"cada um por si" venceu o "um por todos, todos por um".
As
manifestações de agora começaram por 20 centavos a mais na passagem de ônibus
em São Paulo e alastraram-se para Rio, Curitiba, Goiânia, Teresina e outras
capitais. Coincidiram com os tambores de guerra dos índios e podem ser o fim da
longa hibernação, um sinal para os Poderes da República. Basta de violência, de
desvios, de impunidade.
É
nesse clima que o país é informado de uma tal "Resistência Urbana - Frente
de Movimentos e Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa". No
Rio, fazem passeatas. Em Brasília, queimam pneus e fecham avenidas contra a
farra dos estádios com dinheiro público.
E os
protestos vão longe. Pela internet, o novo "Democracia não tem
fronteiras" convoca estudantes e trabalhadores brasileiros para
manifestações, terça-feira, em 30 cidades de 15 países.
Seria
ingenuidade imaginar que tudo isso é uma enorme coincidência e que não há
nenhuma conexão entre grupos e manifestações --ao menos uma mesma motivação.
O
espectro da insatisfação ronda o Brasil. E pode explicar até a inexplicável
violência de policiais --eles próprios são cidadãos irritados.
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