ALEXANDRE
VIDAL PORTO
Disseram que eu tinha virado potência
Os
jovens acreditaram que o Brasil virou uma potência e querem o tratamento que
cidadãos de uma merecem
O
Primeiro-Ministro do Japão, Shinzo Abe, não cansa de dizer que os japoneses
precisam se globalizar. Estreitar os laços de seu país com o resto do mundo é um
dos fundamentos de seu programa de governo.
Essa
política de internacionalização tem objetivo econômico. Um de seus eixos é a
capacitação profissional. É apoiada pela Keidanren, que reúne os maiores
conglomerados industriais do país.
A
razão é simples: as empresas locais querem ampliar suas operações no mundo, mas
não contam, no Japão, com suficiente mão de obra capaz de dominar ambientes
internacionais. É aí que entra o governo: ajuda a financiar esse tipo de
qualificação.
O
programa japonês quer tirar vantagem de um processo social espontâneo, que já está
em curso. No Japão, a maioria dos universitários entre 18 e 23 anos é internacionalizada.
Ainda tem dificuldades com línguas estrangeiras e não conta com as melhores
conexões nos centros mundiais de produção de conhecimento.
Mas é
a primeira geração do país que cresceu com uma janela aberta para o mundo. Se
quisesse --e muita gente quis--, podia arranjar amigos na Alemanha, comprar
livros nos EUA e assistir a vídeos feitos por gente de qualquer lugar do
planeta. Bastava uma conexão de internet.
Não é
por acaso que, desmentindo o estereótipo de que os japoneses não querem contato
com o exterior, pesquisa recente da Universidade de Waseda indicou que 82% de
seus alunos gostariam de estudar em outros países.
Esse
interesse pelo mundo não é, naturalmente, exclusivo do Japão. Está mais
relacionado com a faixa etária e o uso de tecnologia que com a nacionalidade
dos indivíduos.
É um
fenômeno de jovens e permite àqueles com interesses e causas comuns
reconhecerem-se e se organizarem em minutos, independentemente de onde estejam,
porque a internet que os conecta chega a todo lugar.
A
maior parte dos que iniciaram a onda de protestos no Brasil é jovem e se
encaixa nesse perfil. Segundo o Datafolha, na primeira manifestação em SP, 77%
dos participantes frequentavam universidades e 53% tinham menos de 25 anos.
É gente
que tem mais energia e acesso a informação que a média da população; que sabe
que o descaso e o desrespeito com os quais o povo brasileiro é tratado por seus
governantes seriam inaceitáveis em qualquer país civilizado. Gente que aprendeu
isso por comparação, olhando, como os japoneses, através de janelas abertas
para o mundo.
Essa
gente reclama que ser brasileiro está custando caro demais, e que, em outras
partes do mundo, paga-se menos por qualidade de vida significativamente melhor.
Essa gente pergunta com quem, em nosso país, fica a diferença entre o que se
paga e o que se recebe.
Disseram
que o Brasil tinha virado potência. Os jovens acreditaram. Agora, querem o
tratamento que potências devem a seus cidadãos. Em situação semelhante, os
jovens japoneses provavelmente agiriam igual.
ALEXANDRE
VIDAL PORTO é escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do
autor
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