sábado, 1 de junho de 2013


02 de junho de 2013 | N° 17451
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

O MUNDO MARAVILHOSO DOS MOTORES

Deixei meu carro na oficina para revisão, outro dia. Quando fui buscá-lo, o encontrei lavado e encerado, rebrilhando como se fosse novo, e com o piso coberto por folhas de jornal.

Por que é que os mecânicos cobrem o piso do carro com folhas de jornal? Francamente. É para mostrar que ninguém mais entrou no carro depois da lavagem? Que o carro está imaculado como uma bandeirante? Ou para impedir que eu o conspurque com o solado imundo das minhas botas?

Até já tentei dirigir com aquele jornal ali, mas não dá – o jornal começa a dançar de um lado para outro e logo se amassa e o pé, que deveria estar firme no pedal, fica solto. Pode até causar acidentes, sei lá.

Tenho ganas de tirar o jornal, quando recebo o carro depois da revisão ou da limpeza, mas penso que o mecânico teve tanto cuidado, tanta atenção de colocar as folhas lá. É falta de consideração minha simplesmente desprezar o jornal que ele se deu o trabalho de esticar no piso, o mecânico de joelhos no meu carro, encaixando o jornal sob o painel e pensando: “Ele vai adorar! Está tão limpinho...” E eu chego e dou de ombros: “Não quero esse jornal. Não quero!”

Não, não posso fazer isso. Não posso ser tão grosseiro. Então, saio com o jornal no piso, agradecendo aos sorrisos tantos, e, quando deparo com a primeira lixeira, amasso-o e jogo fora, torcendo para que ninguém conte ao mecânico. Mecânicos podem ser muito suscetíveis.

A oficina imaculada

Por algum motivo, desconfio desses mecânicos modernos, que usam luvas e avental branco e trabalham em oficinas assépticas, que parecem spas. Onde é que estão a graxa e o óleo, que são o sangue e a linfa do motor? Suponho que, no fundo daquelas oficinas tão limpas, em algum lugar escuso e escuro, mecânicos de verdade estejam se refocilando nas excrescências dos carros. São eles que entendem, eles que fazem o trabalho duro e, literalmente, sujo. Eles!

Mas são anônimos, ninguém os vê. Depois de passar horas lidando entre bielas e amortecedores, eles, suados e esbaforidos, entregam o carro pronto a um funcionário de avental branco e luvas. Este pega a chave entre o indicador e o polegar e faz o carro deslizar até a parte da frente da oficina, o saguão luminoso que é proibido para os verdadeiros mecânicos. Então, o funcionário abre as portas, chama um estafeta, que acode com o jornal do dia anterior debaixo do braço. A um estalar de dedos do funcionário, o estafeta se ajoelha ante a porta aberta do carro. E espalha as folhas de jornal pelo piso.

Conversas de motorista

Aqui vai uma confissão: adoro ter conversas de motorista, mesmo não entendendo nada de carros. Alguém me disse que eles não têm mais carburador. É verdade? O carburador me parecia tão importante. Não sei se quero andar em carros sem carburador.

De qualquer forma, sinto-me muito bem quando converso sobre motores e marcas com algum taxista, por exemplo. Sinto-me mais Homem, entende? Nós estamos ali, falando de injeções eletrônicas e tudo mais. Algo másculo. Algo que têm a ver conosco, os machos da espécie. As mulheres nos ouvem e ficam entediadas e pensam que seus cabelos estão com pontas duplas. Elas e seu mundinho. Deixem-nos com a graxa e o óleo, o sangue e a linfa do motor, os fluidos que movem o planeta!

Afinal, o que é uma Azera?

Sou um motorista temporão. Fui aprender a guiar auto, como diz o Olívio Dutra, depois dos 40 anos de idade. Na verdade, nunca me interessei muito por carros. Meu filho de cinco anos conhece mais marcas do que eu, eu me atrapalho as marcas novas, só consigo identificar, mesmo, Fusca, Opala, Brasília, Corcel e Kombi, os velhos clássicos, além dos difamados DKW e Gordini.

As marcas atuais me fascinam e, ao mesmo tempo, me confundem. Como eles têm criatividade para inventar marca de carro! De onde tiram esses nomes? O que é um Duster? E um Cerato?

Mahindra talvez seja indiano, possivelmente o nome de uma deusa, os indianos cultuam 10 mil deuses.

Astra decerto que é algo celeste.

E o Ka será que foi inspirado no Livro dos Mortos do Antigo Egito, que cita o Ka como a alma imortal? Será que o nome desse carro vulgar submerge tão fundo na História e na Cultura humanas?

Quanto ao Corsa, já pensei que fosse a fêmea do corço, o veado, mas esse animal leva cedilha, além de chifres e má fama. Poderia ser uma mulher nascida na Córsega, a ilha de onde Napoleão saiu para conquistar a Europa, mas aí não seria “O” Corsa, seria “A” Corsa. Que mistério.

Doblô tem um som francês, mas a grafia decepcionantemente nacional. Parece o Cebolinha falando. Mégane é francês certo. Sandero, Fiorina, Camaro e Livina, obviamente italianos. Bongo, claro, é africano. Mas de onde virá um Camry, um Versa e um Tiida? O que será uma Azera? E Wrangler não é um jogador do Grêmio?


São maravilhosos os nomes dos carros do novo século.

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