02
de junho de 2013 | N° 17451
O
CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA
O MUNDO MARAVILHOSO DOS
MOTORES
Deixei
meu carro na oficina para revisão, outro dia. Quando fui buscá-lo, o encontrei
lavado e encerado, rebrilhando como se fosse novo, e com o piso coberto por
folhas de jornal.
Por
que é que os mecânicos cobrem o piso do carro com folhas de jornal?
Francamente. É para mostrar que ninguém mais entrou no carro depois da lavagem?
Que o carro está imaculado como uma bandeirante? Ou para impedir que eu o
conspurque com o solado imundo das minhas botas?
Até
já tentei dirigir com aquele jornal ali, mas não dá – o jornal começa a dançar
de um lado para outro e logo se amassa e o pé, que deveria estar firme no
pedal, fica solto. Pode até causar acidentes, sei lá.
Tenho
ganas de tirar o jornal, quando recebo o carro depois da revisão ou da limpeza,
mas penso que o mecânico teve tanto cuidado, tanta atenção de colocar as folhas
lá. É falta de consideração minha simplesmente desprezar o jornal que ele se
deu o trabalho de esticar no piso, o mecânico de joelhos no meu carro,
encaixando o jornal sob o painel e pensando: “Ele vai adorar! Está tão limpinho...”
E eu chego e dou de ombros: “Não quero esse jornal. Não quero!”
Não,
não posso fazer isso. Não posso ser tão grosseiro. Então, saio com o jornal no
piso, agradecendo aos sorrisos tantos, e, quando deparo com a primeira lixeira,
amasso-o e jogo fora, torcendo para que ninguém conte ao mecânico. Mecânicos
podem ser muito suscetíveis.
A
oficina imaculada
Por
algum motivo, desconfio desses mecânicos modernos, que usam luvas e avental
branco e trabalham em oficinas assépticas, que parecem spas. Onde é que estão a
graxa e o óleo, que são o sangue e a linfa do motor? Suponho que, no fundo
daquelas oficinas tão limpas, em algum lugar escuso e escuro, mecânicos de
verdade estejam se refocilando nas excrescências dos carros. São eles que
entendem, eles que fazem o trabalho duro e, literalmente, sujo. Eles!
Mas
são anônimos, ninguém os vê. Depois de passar horas lidando entre bielas e
amortecedores, eles, suados e esbaforidos, entregam o carro pronto a um
funcionário de avental branco e luvas. Este pega a chave entre o indicador e o
polegar e faz o carro deslizar até a parte da frente da oficina, o saguão
luminoso que é proibido para os verdadeiros mecânicos. Então, o funcionário
abre as portas, chama um estafeta, que acode com o jornal do dia anterior
debaixo do braço. A um estalar de dedos do funcionário, o estafeta se ajoelha
ante a porta aberta do carro. E espalha as folhas de jornal pelo piso.
Conversas
de motorista
Aqui
vai uma confissão: adoro ter conversas de motorista, mesmo não entendendo nada
de carros. Alguém me disse que eles não têm mais carburador. É verdade? O
carburador me parecia tão importante. Não sei se quero andar em carros sem
carburador.
De
qualquer forma, sinto-me muito bem quando converso sobre motores e marcas com algum
taxista, por exemplo. Sinto-me mais Homem, entende? Nós estamos ali, falando de
injeções eletrônicas e tudo mais. Algo másculo. Algo que têm a ver conosco, os
machos da espécie. As mulheres nos ouvem e ficam entediadas e pensam que seus
cabelos estão com pontas duplas. Elas e seu mundinho. Deixem-nos com a graxa e
o óleo, o sangue e a linfa do motor, os fluidos que movem o planeta!
Afinal,
o que é uma Azera?
Sou
um motorista temporão. Fui aprender a guiar auto, como diz o Olívio Dutra,
depois dos 40 anos de idade. Na verdade, nunca me interessei muito por carros.
Meu filho de cinco anos conhece mais marcas do que eu, eu me atrapalho as
marcas novas, só consigo identificar, mesmo, Fusca, Opala, Brasília, Corcel e
Kombi, os velhos clássicos, além dos difamados DKW e Gordini.
As
marcas atuais me fascinam e, ao mesmo tempo, me confundem. Como eles têm
criatividade para inventar marca de carro! De onde tiram esses nomes? O que é
um Duster? E um Cerato?
Mahindra
talvez seja indiano, possivelmente o nome de uma deusa, os indianos cultuam 10
mil deuses.
Astra
decerto que é algo celeste.
E o
Ka será que foi inspirado no Livro dos Mortos do Antigo Egito, que cita o Ka
como a alma imortal? Será que o nome desse carro vulgar submerge tão fundo na
História e na Cultura humanas?
Quanto
ao Corsa, já pensei que fosse a fêmea do corço, o veado, mas esse animal leva
cedilha, além de chifres e má fama. Poderia ser uma mulher nascida na Córsega,
a ilha de onde Napoleão saiu para conquistar a Europa, mas aí não seria “O”
Corsa, seria “A” Corsa. Que mistério.
Doblô
tem um som francês, mas a grafia decepcionantemente nacional. Parece o
Cebolinha falando. Mégane é francês certo. Sandero, Fiorina, Camaro e Livina,
obviamente italianos. Bongo, claro, é africano. Mas de onde virá um Camry, um
Versa e um Tiida? O que será uma Azera? E Wrangler não é um jogador do Grêmio?
São
maravilhosos os nomes dos carros do novo século.
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