sexta-feira, 28 de junho de 2013


28 de junho de 2013 | N° 17475
DAVID COIMBRA

As revoltas do Brasil

Outro dia passei pela Rua Tonelero e tive uma epifania. Essa rua de Copacabana foi ponto de partida de uma das rebeliões da classe média no Brasil. Digo rebeliões da classe média porque as classes baixas dificilmente se revoltam; não têm energia para isso. As altas também não se revoltam; não têm motivos para isso.

Se bem que as classes baixas já participaram furiosamente de duas rebeliões. A primeira, no século 19, foi a Revolta do Quebra-Quilos. Dom Pedro II, um monarca cientista, queria implantar no Brasil o sistema métrico decimal da Revolução Francesa: o quilo, o metro, o litro, essas medidas que hoje o mundo usa, com exceção dos renitentes ingleses. Mas a população, acostumada com a arroba e a libra, desconfiou que seria enganada pelos poderosos.

Um vendedor de rapaduras botou a indignação na rua na Paraíba: invadiu uma feira livre e começou a quebrar balanças. A loucura se espalhou por outros Estados. Como em 2013, não existiam lideranças no movimento, existia fúria. As pessoas atacavam os estabelecimentos comerciais e destruíam balanças, e saqueavam, e agrediam. Protestavam contra as novas medidas e contra os impostos, a miséria, tudo. A revolta durou meio ano e foi sufocada com morte e tortura.

Depois, em 1904, explodiu a Revolta da Vacina. O povo se sublevou contra a vacina obrigatória imposta pelo médico e gênio Oswaldo Cruz. Justamente os pobres, os mais afetados pela varíola, reagiam com violência quando os agentes da Saúde tentavam vaciná-los. Saíram às ruas do Rio armados de porretes e navalhas, a navalha era a arma do malandro, e eles cingiam os pescoços com lenços de seda para evitar a degola. Morreram dezenas, mais de cem foram exilados para o Acre.

O governo recuou, acabou com a obrigatoriedade, mas, assim que os nervos se distenderam, vacinou todo mundo, e a varíola foi erradicada, e vidas foram salvas, e viu-se que Oswaldo Cruz estava certo e o povo estava errado.

Depois disso, revolta popular mesmo só a que começou com o atentado a Carlos Lacerda, “o Corvo”, na rua por onde passei, a Tonelero. O frenesi gerado pelo atentado terminou com Getúlio furando o pijama listrado e o peito com uma bala calibre 32, e o povo de novo saiu às ruas, só que no Brasil inteiro. Uma revolta mais abrangente e mais furiosa do que a de hoje e, imagine!, não existia Facebook. O que existia no século 19, no 20 e, agora, no 21, é o descontentamento. A vida das pessoas não era boa e continua não sendo boa. E, tanto na revolta de 54 quanto na de hoje, revoltas da classe média separadas por 59 anos e três gerações, os objetivos surgem difusos e os alvos fragmentados.


Essas duas rebeliões não foram como os movimentos de 84 pelas Diretas Já, nem como o de 92 pelo impeachment de Collor, protestos orgânicos, com objetivos claros. O que havia em 54 é o que há em 2013: pessoas com raiva, infelizes com suas vidas, à procura de culpados, querendo uma solução sem saber exatamente qual. Da revolta de 54 brotou um carismático, Jânio Quadros. Ele seria repetido no fim dos anos 80, quando Fernando Collor emergiu de dentro da angústia da inflação. O que vai gerar a revolta de 2013? Suspeito que vamos descobrir já em 2014.

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