ROBERTO
DE OLIVEIRA - ENVIADO ESPECIAL AO RIO
PAÍS
EM PROTESTO
SEM VERGONHA... de
protestar
A
garota que parou o Congresso em 2001 ao sair nua contra o governo FHC ainda
espera construir um Brasil socialista
Na
semana em que caras, pintadas ou não, ajudaram a desenhar o maior movimento da
juventude brasileira dos últimos 20 anos, alguém aí se lembra da
"bunda-pintada"?
Carla
Taís dos Santos, 33, ou Carlinha, para os mais chegados, recorda-se como se
fosse ontem do dia em que "parou tudo" em Brasília, ao desfilar nua
em frente ao Congresso Nacional.
Era
2001. A garota tinha 21 aninhos --e atributos típicos da idade, por exemplo os
bem distribuídos 56 quilos, um generoso painel para abrigar frases do tipo
"CPI Já".
Ao
tirar a roupa contra o segundo governo de FHC (1999-2002), Carla, então
presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), ganhou fama
nacional de "bunda-pintada".
Na
semana passada, ela participou de uma manifestação em Novo Hamburgo (RS) que
fechou a BR 116.
Dessa
vez, ou seja, 12 anos depois da nudez, de roupa.
Considera
a redução das tarifas uma grande vitória que deve ser comemorada e "servir
de impulso para mais organização e novas conquistas", embora "ainda
não inverta a lógica das máfias do transporte". Rechaça a proibição ou
hostilidade às bandeiras de partidos nos atos.
"É
um absurdo. Lutamos por 21 anos contra uma ditadura que fez exatamente o mesmo.
Está na contramão da liberdade de expressão tão defendida nos protestos."
Acha
que a depredação de bancos, grandes redes de lojas e ônibus não se justifica,
mas "se explica". "Serão os empresários que mais lucram que
pagarão a conta."
Já a
do patrimônio público, "não faz o menor sentido, pois, além de ser mais um
dinheiro que deixará de ser investido na educação e na saúde, divide e afasta o
movimento". Só serve ao "prazer egoísta de quem se acha
ultrarrevolucionário".
'TAPA-TETA'
Formada
em letras pela USP, Carla hoje assessora uma das diretoras da Ancine (Agência
Nacional do Cinema), Rosana dos Santos Alcântara. Jura que o cargo não é
"boquinha", tampouco cota do PC do B, partido ao qual ela é filiada.
"Mandei meu currículo para diferentes pessoas, e a Rosana conhecia minha
história de orelhada."
Só
de orelhada? "Hoje, sou uma outra mulher", diz, mas os sonhos
continuam os mesmos da época de "bunda-pintada". "Se mudanças
não começarem a acontecer, a rua continuará a aumentar o volume de seu grito. E
eu estarei em todas as manifestações com a perspectiva de construir um Brasil
socialista."
Ok,
mas pretende ficar pelada de novo? "Tirar a roupa sempre me pareceu um
gesto natural", filosofa Carla, que hoje só se despe para o namorado, com
quem está há três meses, ou numa praia de nudismo, "pra extravasar".
Recorda-se,
então, daquele momento que precedeu à nudez de Brasília. "Diante do
Congresso, os manifestantes da Ubes precisavam de um desfecho para o
protesto." Uns sugeriram velas; outros cogitaram "enterrar" um
boneco de FHC, ideias que demandavam tempo e, é claro, uma corridinha ao
mercado.
"Me
lembrei de protestos na Europa em que as pessoas tiravam a roupa. Vamos ficar
pelados", disse, para o espanto dos garotos. "Eu fico!" O carro
de som virou camarim. Em cinco minutos, estava pintada de guache.
Quando
saiu, surpresa! Cadê os peladões? "Rodei a baiana. Agora que estou aqui,
vou até o final", disse. A imagem estampada nos principais jornais do
Brasil e do mundo derrubou a máxima de Andy Warhol: em vez dos 15 minutos de
fama, o espetáculo de Carlinha na capital do país durou 20.
Com
uma bandeirinha da Ubes cobrindo os seios, entrou no espelho-d'água do
Congresso e organizou os estudantes para formar a palavra CPI deitados no
gramado. E por que raios escondeu os peitos? "Desde menina, tenho complexo
dos meus seios. O que me incomoda é a forma. Acho caído. Nunca gostei dessa
parte do meu corpo", diz Carla, em sua casa, numa vilinha no centro do
Rio, onde vive desde março.
COMUNISTA
TEEN
Apesar
dessa relação, digamos, delicada, foram os seios que "empurraram"
Carlinha para a política. Gaúcha de Campo Bom (RS), a "menina da
roça", então com 11 anos, não curtia o uniforme da escola. A blusa
apertava os peitos, motivo para ela organizar um abaixo-assinado.
Assistia
à aula de matemática, quando foi chamada à diretoria para ser expulsa sob a
alcunha de "comunista", baita palavrão na época.
Demorou
menos de um ano para a "comunista" se infiltrar em grupos culturais,
se amarrar na história de Olga Benário e assumir de fato a verdadeira
identidade. Em novembro de 1999, Carlinha, que, quando menina, sonhava ser
bailarina do Bolshoi, finalmente livra-se das aspas e torna-se comunista ao
ingressar no PC do B.
Assim
como o primeiro sutiã, que soltou a alça e machucou a menina aos 12 anos, o
primeiro "livro comunista", ela nunca esquece: "30 Anos de
Confronto Ideológico: Marxismo x Revisionismo".
Sem
entender ao certo o que tudo aquilo significava, pintou, antes do corpo, a cara
em protesto contra o presidente Collor. "Até meus pais, que votaram nele,
me incentivaram a participar da passeata", lembra a gaúcha.
Filha
de um mecânico e de uma comerciante, Carlinha tem uma irmã mais nova, de 29
anos, que é modelista.
Mas
a guria mais velha sempre foi uma "rebelde com causas". No final de
99, já como presidente da Ubes, fugiu de casa, ao inventar que iria a um
seminário de educação em Goiânia. Veio parar em São Paulo, onde dividiu uma
república com 11 rapazes no bairro da Aclimação. Vivia na pindaíba, dura que
só, à base de doações da entidade.
A
"bunda-pintada" repercutiu, mas o que pintou de concreto?
"Pintaram umas baixarias", brinca Carlinha, que chegou a ser
assediada à época por congressistas. "Virei motivo de gozação: a peladona
do PC do B, a banda pelada do partido", conta.
Qualquer
bunda com outro sentido estava valendo, mas a dela era um problema.
"Preconceito contra uma bunda politizada. Nunca quis virar celebridade.
Meu sonho sempre foi e continua sendo fazer revolução no Brasil."
Como
filiada a um partido que faz parte da base aliada do governo, acha que o PT
está "fazendo uma revolução ao criar condições para isso". Lula é o
"melhor presidente que o país já teve". Dilma representa "as
mulheres no poder", mas "precisa de mais diálogo com os movimentos
sociais". Mensalão? "Não há provas concretas nos autos."
"Libertária
comunista" --assim se define--, é a favor do aborto, da legalização da
maconha e da união homoafetiva. Não esconde discreto orgulho ao assumir que
ainda desperta nos homens um "fetiche de pegar a Carlinha", aquela da
"bunda-pintada".
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