PASQUALE CIPRO NETO
Os vândalos e o politicamente...
E se
aparecer algum descendente direto de uma legítima família vândala e disser que
se sente ofendido?
Estava
na capa da Folha de ontem: "Contra tarifa, manifestantes vandalizam centro
e Paulista".
Que
tal o emprego do verbo "vandalizar", caro leitor? Sugiro que vejamos
isso pela sintaxe e pelo aspecto ético, que, inevitavelmente, roça o mais do
que infame e chatíssimo conceito do "politicamente (in)correto".
De
acordo com os dicionários, "vandalizar" pode significar "estragar
ou destruir selvagemente um bem, uma propriedade, um local etc." (é essa a
primeira acepção que lhe dá o "Houaiss"). Como se vê, o uso que a
Folha fez desse verbo na capa de ontem é documentado. Na manchete, o sujeito é "manifestantes";
"vandalizar" é transitivo direto (o objeto direto é "centro e
Paulista").
E
onde é que entra o tal do aspecto "ético", que, como afirmei,
inevitavelmente roça o politicamente (in)correto? Dou a pista: o caro leitor
sabe o que significa "vândalo"? Não, caro leitor, não me refiro ao
sentido mais do que conhecido e divulgado (de "destruidor do que é público
etc."); refiro-me ao sentido com o qual a palavra veio ao mundo.
E
então? Recorramos aos dicionários, mais uma vez. A primeira acepção que o "Houaiss"
dá para "vândalo" é esta: "Indivíduo dos vândalos, povo germânico
que, por volta do século V, invadiu, promovendo devastação, a Hispânia e o
Norte da África, onde fundou um reino". Você já entendeu de onde vem o
sentido "moderno" de "vândalo", certo?
Posto
isso, permito-me fazer uma perguntinha, baseada na delirante cartilha do
politicamente incorreto: não é preconceituoso chamar de vândalo quem destrói o
que é público? Isso não ofende os vândalos? Ah, sim, esse povo não existe mais,
então tudo bem.
Preconceito
contra povo extinto é possível. Mas e se aparecer algum alemão que seja
descendente direto de uma das mais puras e legítimas famílias vândalas e disser
que se sente ofendido? Já sei, processará a Folha e o "Houaiss" por
preconceito etc.
E
onde anda o procurador de Minas Gerais que queria processar o "Houaiss"
por preconceito contra os ciganos? A autoridade poderia aproveitar e processar
outra vez o "Houaiss" e todos os dicionários, além da Folha e de todo
falante de português... Poderia aproveitar e processar também pelo uso da
palavra "bárbaro", cujo sentido "moderno" não preciso
explicar, certo? Na década de 60, o termo foi moda entre nós, com o significado
de "muito bom", "muito bonito", "bacana", "muito
interessante" etc.
Mais
uma vez, vamos ao "Houaiss", que assim começa a definição de "bárbaro":
"Para os gregos, romanos e depois outros povos, que ou quem pertencesse a
outra raça ou civilização e falasse outra língua que não a deles; estrangeiro".
Em seguida, o dicionário dá esta definição ("por extensão de sentido"):
"Que ou quem é cruel, desumano, feroz".
Viu
bem, caro leitor? "Por extensão de sentido", ou seja, do conceito de "estrangeiro
etc." se passa para "cruel, desumano, feroz". E aí, com o uso e
o desgaste que o próprio uso provoca, a palavra perde a marca preconceituosa e
se torna "neutra".
É por
essas e outras, caro leitor, que essa monumental baboseira do politicamente (in)correto
precisa ser vista e revista com cuidado. Já vi muito defensor dos fracos e
oprimidos empregar termos como "vândalo", "bárbaro" e afins
para condenar o emprego de palavras que essa galerinha chata demonizou. Rarará!
As
minhas quase seis décadas de existência me tiraram de vez a paciência para
aguentar esse tipo de patrulha, macarthismo da mais pura cepa. Também é por
essas e outras que me soam mais do que ridículas as bobagens ditas por uma
galerinha a respeito da obra de Monteiro Lobato. Haja saco! É isso.
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