27
de junho de 2013 | N° 17474
ARTIGOS
- PRISCILA DE MARTINI*
Pelo direito de não ter
carro
Em
meio a tantos compartilhamentos, uma foto cativou minha atenção no Facebook
algumas semanas atrás. Tratava-se do flagrante de um leitor da Time Out no
metrô de Londres: em um dos vagões, calmamente acomodado, guarda-chuva em
punho, estava o ator britânico Richard Madden. Talvez você não saiba de quem se
trata, mas os fãs de Game of Thrones o conhecem como Rei do Norte, um dos
principais personagens dessa cultuada série de TV.
Para
os britânicos, foi a deixa para ironizar um dos acontecimentos de um bombástico
e recém transmitido episódio da série. Por aqui, parei para refletir, a reação
diante de tal cena seria um tanto diferente. Porque, antes de tudo, é preciso
salientar, essa cena provavelmente não aconteceria.
Há
décadas, o brasileiro tem sido doutrinado a ligar a posse de um automóvel a
status social e econômico. O pensamento é de que, se a pessoa usa transporte
público, é porque não tem dinheiro para comprar ou manter um carro. A primeira
chance que o trabalhador tem de abandonar o ônibus de cada dia, ele a agarra
com todas as forças.
Dito
isso, é difícil acreditar que um dos principais atores de uma série de
retumbante sucesso global não tenha dinheiro para comprar um carro. É aqui que
se chocam, como dois caminhões em alta velocidade, as realidades britânica e
brasileira.
Em
cidades europeias como Londres, é muito mais fácil e conveniente se deslocar
usando transporte público do que dirigindo um automóvel. Metrô, trem, ônibus –
o serviço é bom, cobre quase toda a cidade e a região metropolitana, é pontual
e nem tão caro assim (especialmente se comparado aos preços do Brasil). Ou
seja: não tem por que tirar o carro da garagem no dia a dia.
Por
aqui, em contrapartida, é grande o desafio de convencer um trabalhador de que a
compra de um carro não seja a conquista da liberdade, uma prova de que foi
promovido a um cidadão de maior valor. Mas como julgar? A pequena frota de
ônibus (já que metrô há poucos) está sucateada, as linhas têm oferta
insuficiente, a pontualidade é inexistente e o preço é salgado.
É o
que dizia um dos cartazes levantados nas recentes manifestações nacionais:
“País desenvolvido não é onde pobre tem carro, mas onde rico usa transporte
público”. Essa é minha bandeira, o meu anseio. Eu não quero ter carro, muito
menos precisar dele – essa é a minha noção de liberdade. Mas também não quero
ir à faculdade em um ônibus que passa “de vez em quando” e cuspindo gente.
Claro,
o Brasil é uma criança diante da história milenar da Europa. O metrô de Londres
acabou de completar 150 anos – é pouco mais novo do que algumas cidades
gaúchas, por exemplo. O problema é que as políticas públicas brasileiras no
setor de transporte estão, há décadas, indo para o caminho inverso, sem
perspectiva de mudança.
Mas
ainda há tempo de virar o jogo, se revirmos nossos conceitos. Tenho o sonho de
que, em breve, todos os brasileiros usem transporte público por opção, e não
pela falta dela.
*Jornalista
e estudante de Políticas Públicas
*JORNALISTA
E ESTUDANTE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
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