sábado, 22 de junho de 2013


22 de junho de 2013 | N° 17469
DAVID COIMBRA

A coisa mais certa de todas

Abri a janela do meu apartamento de Copacabana, olhei para o verde-azul do Atlântico e pensei: danem-se os poderosos dentro de suas gravatas, danem-se os estudantes atrás da máscara de vingança, danem-se os vândalos queimadores de carros, os ministros da República e os rebeldes da classe média. Danem-se. Eu vou à praia.

Pois fui.

Afundei os pés na areia molhada, sentindo as ondas massageando-me os tornozelos, vendo à esquerda o Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara e à direita um grande navio que singrava perto da linha do horizonte. Respirei fundo e lembrei da frase de Caetano: a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol.

Pegadas eternas na areia

Era cedo, e eu caminhava devagar pela borda d’água. Uns cinco metros à minha frente seguia um sujeito de camiseta branca. Tinha um celular na mão. Então, fez algo inesperado. Parou, recuou dois passos e, com o celular, fotografou suas próprias pegadas na areia. Depois foi em frente, conferindo a foto com atenção.

Fiquei intrigado. Quando passei pelo trecho onde ele havia parado, parei também e olhei para as pegadas que tinham sido fotografadas. Uma marca de pé comum, um pé não muito grande nem muito pequeno. Cinco dedos aumentando em progressão, como uma escada de degraus redondos, do minúsculo mindinho ao opulento dedão. Um pé magro, que em geral pés são magros. Por que a foto?

Um homem que registra suas pegadas. Aquela era a marca que ele deixou impressa na terra. O mar logo viria e a apagaria, só que agora não mais. A marca que ele imprimiu na terra está gravada para sempre no arquivo digital do celular, pode ser passada para papel fotográfico, reproduzida em tamanho grande, emoldurada, transformada em quadro, pendurada na parede de casa. Os amigos vão chegar e ele apontará com orgulho:

– Essa foi a marca que deixei na areia da praia de Copacabana no inverno de 2013. Posto 5. Eram oito horas da manhã.

Um naco do homem esculpido na carne do planeta. Uma prova de que ele esteve lá, de que estava vivo, de que feriu a terra por um momento. Um pedaço de imortalidade.

Ou o cara só queria experimentar a câmera do celular.

- uu Cuia curtindo

O Voltaire é técnico da TV. Foi ele quem montou nosso estúdio aqui em Copacabana.

Outro dia, o Voltaire comprou uma cuia de chimarrão, uma bomba e um pacote de erva mate em algum lugar que vende artigos gaúchos na zona sul carioca. Mas a cuia era nova, tinha de ser curtida. Então, o Voltaire encheu-a com erva e água e a deixou em cima da pia da cozinha do apartamento. Para evitar que alguém a usasse antes do tempo, escreveu numa folha de papel: “Cuia curtindo”. E colocou a folha debaixo da cuia.

Horas depois, Eliana, a senhora carioca que cuida do apartamento, passou pela cozinha e ficou olhando para a cuia e o recado do Voltaire.

“Cuia curtindo”. Vi a Eliana olhando para aquele papel, especulativa. Ela desviou o olhar para mim, curiosa, e eu expliquei:

– A cuia está aproveitando a vida.


A Eliana balançou a cabeça: – Esses gaúchos...

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