04 de setembro de 2013 | N°
17543
MARTHA MEDEIROS
Um pacto com a verdade
Pode-se dizer que, na infância, fui
uma menina fechada. Não excessivamente introvertida, mas na minha.
Não falava muito sobre o que sentia e pensava. Ficava matutando com
meus botões apenas, ou colocava tudo num diário que era protegido
por um cadeado. Dá para acreditar, nos dias que correm, que já
existiu quem trancafiasse sua intimidade a chave? Os diários eram
nossos cintos de castidade mental.
Não estou exaltando os velhos tempos:
ser tão ensimesmada não me rendeu grande coisa na época. O.k.,
desenvolveu minha introspecção, que é importante para quem
escreve, mas retardou meu encontro com os outros – um encontro que
só se dá plenamente quando somos menos defensivos.
O que fica secreto não chega a ser uma
mentira, mas é algo que não ventila, não dialoga, não evolui,
mantém-se estático na sua inutilidade, mofando, criando teias e
envelhecendo sem nunca ter sido confrontado. Não acho que tenhamos
que nos expor indiscriminadamente, isso é uma ansiedade quase
doentia. Mas nem por isso defendo uma sociedade de caramujos.
A transparência dos nossos pensamentos
e sentimentos é o único meio de estabelecermos conexões fortes e
de avançarmos, tanto pessoal quanto socialmente. É muito difícil
se relacionar com quem não se entrega, não assume suas
fragilidades, não deixa cair a máscara. Não só difícil, como
perigoso.
E chego ao voto secreto, essa aberração
política que impede que conheçamos de fato nossos representantes e
que permite indecências cujo maior colaborador é o silêncio. O
silêncio é o principal aliado do mais grave problema do Brasil, a
impunidade. Não só o silêncio que mantém os direitos políticos
de um ladrão sentenciado, mas o silêncio de mulheres que mantêm a
impunidade dos familiares que as violentam, o silêncio de cidadãos
que testemunham crimes e não os denunciam, o silêncio que sustenta
farsas, pessoas de duas caras, relações de fachada.
Transparência não é um comportamento
fácil de adotar. Muitos se sentem incomodados diante da exposição
de seus erros, constrangidos por falhar, humilhados por não ter
acertado. Só que nada disso nos desonra, ao contrário. A
transparência nos humaniza, nos refina e nos torna melhores – vale
para pessoas, para cidades, para nações. Até uma árvore que cai
num parque tem a ver com esse assunto, nem que seja como metáfora –
a deterioração que se mantém escondida cedo ou tarde se manifesta
da pior forma.
Há quem evite a transparência porque
ela pode causar vergonha. Ora, é justamente de mais vergonha que
precisamos. A vergonha nos civiliza e nos estimula a agir de forma
correta. Sejamos francos, verdadeiros, mesmo que isso nos cause algum
desconforto. É mais digno do que morrer abraçado ao lado secreto da
vida, esse que costuma cair de podre.
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